terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cartas Chilenas

Cartas Chilenas são prosas satíricas, em versos decassílabos brancos, que circularam em Vila Rica poucos anos antes da Inconfidência Mineira, em 1789. Revelando seu lado satírico, num tom mordaz, agressivo, jocoso, pleno de alusões e máscaras, o poeta satiriza ferinamente a mediocridade administrativa, os desmandos dos componentes do governo, o governador de Minas e a Independência do Brasil. São uma coleção de treze cartas.
Critilo é um habitante de Santiago do Chile (na verdade Vila Rica), narra os desmandos despóticos e narcisistas do governador chileno Fanfarrão Minésio (na realidade, Luís da Cunha Menezes, governador de Minas até a Inconfidência Mineira).
Por muito tempo discutiu-se a autoria das Cartas Chilenas. A dúvida só acabou após estudos de Afonso Arinos e, principalmente, de Rodrigues Lapa, comparando a obra com cada um dos elementos do "Grupo Mineiro", possíveis autores, quando se concluiu que o verdadeiro autor é Tomás Antônio Gonzaga e que Critilo é ele mesmo e Doroteu, Cláudio Manuel da Costa. Especula-se que a obra tenha sido influenciada por Cartas Persas, de Montesquieu.


Obtido em http://pt.wikipedia.org/wiki/Cartas_Chilenas. Em 18/11/2009.



O autor se dá o nome de Critilo e chama o destinatário de Doroteu. Finalmente, os fatos aludidos são facilmente identificados pelos leitores contemporâneos.
A matéria é toda referente à tirania e ao abuso de poder do Governador Fanfarrão Minésio, versando a sua falta de decoro, venalidade, prepotência e, sobretudo, desrespeito à lei. Afirmam alguns que o poema circulava largamente em Vila Rica em cópias manuscritas.
Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) aplica-se de tal modo na sátira, que a beleza mal o preocupa. Os versos brancos concentram-se no ataque. Sente-se um poeta capaz de escrever no tom familiar que caracteriza o realismo dos neoclássicos, com certa inclinação para a pintura da vida doméstica.
Para Critilo, o arbitrário Governador constituía, de certo modo, atentado ao equilíbrio natural da sociedade.
Entretanto, não se nota nas Cartas nenhuma rebeldia contra os alicerces do sistema colonial, nem mesmo uma revolta contra o colonizador; apenas se critica a má administração do governador Cunha Menezes. Seu significado político, todavia, permanece. Literariamente, é a obra satírica mais importante do século XVIII brasileiro e continua sendo o índice de uma época.

Obtido em: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/c/cartas_chilenas. Em 18/11/2009.

domingo, 8 de novembro de 2009

CLASSICISMO GRECO-LATINO


Valorização da Vida e do Mundo (do século V a.C. ao V d.C.)

Características literárias

1. Valorização da vida e do mundo e não do além;
2. Racionalismo e não sentimentalismo;
3. Deus mora ali no Olimpo, e não no Infinito;
4. Belo é o corpo, não necessariamente a alma;
5. A pintura e escultura têm apreço pelo nu; a figura humana não deve ser ocultada;
6. O homem é um ser que constrói seu futuro; não nasceu congenitamente depravado;
7. Desejam-se glória e fama na terra, não nos céus;
8. Os deuses pagãos são usados como figuras literárias e alegorias, nunca subjugando os espíritos e paixões;
9. O homem arca com suas decisões; não existe pecado;
10. A poesia, anterior à prosa, é quase uma segunda religião no mundo clássico;
11. Dos gêneros literários em poesia, destaca-se, no classicismo greco-latino, a epopéia.


Autores e Obras

Poetas antigos cuja importância se mantém até os dias de hoje: o grego Homero e o latino Vergílio.

Homero :
Ø Fundador da poesia épica, não se sabe ao certo onde e quando nasceu. Era um mendigo cego que declamava seus versos ao toque de sua lira.
Ø Obras : a Ilíada e a Odisséia.

Vergílio:
Ø Espírito delicado e harmonioso, imitador admiravelmente hábil dos antigos, em particular de Homero, é contudo um gênio dos mais individuais, pelo seu amor à natureza e pela absoluta perfeição de seu estilo.
Ø Obras: Eneida, Geórgidas e Bucólicas.
A Eneida é uma mistura de história e lenda. Lendárias são as aventuras de Enéias; histórica é a descrição de Roma, de suas origens até o século de Augusto.

João Guimaraes Rosa

Obras principais:
Sagarana (contos, 1946); Corpo de baile (Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, do Pinhém; Noites do sertão; novelas, 1956); Grande sertão: veredas (romance, 1956); Primeiras estórias (contos, 1962); Tutaméia (contos, 1967); Estas estórias (contos, 1969).

Caraterísticas básicas:
- A primeira grande inovação do autor é da linguagem, cheia de arcaísmos, neologismos, onomatopéias, inversões, novas construções sintáticas, etc., e que poderia ser resumida assim:

Linguajar sertanejo + Recriação estilística = Linguagem revolucionária

Observe o início de Grande sertão: veredas:

Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem, não, Deus, esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço; gosto, desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser-se viu e com máscara de cachorro.

- O mundo retratado em suas ficções é o do sertão mineiro, um mundo imobilizado no tempo, sem vínculos com o litoral modernizado do país e cuja principal traço é a consciência mítica dos protagonistas. Esta consciência mágica explica o mundo pelo sagrado e pelo fantástico. Assim, os fenômenos naturais indicam sinais de potências misteriosas e inexplicáveis. À medida que a modernidade urbana /capitalista avança, o mítico tende a ser dissolvido.

- A presença do demônio em Grande sertão: veredas faz com que a narrativa se insira na categoria do realismo mágico.

- Alguns contos de Guimarães Rosa são célebres. Entre eles, figuram: A hora e a vez de Augusto Matraga e O burrinho pedrês, de Sagarana; e A terceira margem do rio, de Primeiras estórias.

Grande sertão: veredas
- A temática da "jagunçagem" e a prosa inovadora atingiriam o seu apogeu neste romanace, que se estrutura no jogo dialético do presente e do passado. Assim:

Plano presente:
O ex-jagunço e, hoje fazendeiro, Riobaldo narra a história de sua vida para um "doutor" da cidade. O "doutor" nada declara durante o discurso de Riobaldo, que assim se converte em monólogo. Ao lado das reminiscências, Riobaldo formula uma série de interrogações sobre o sentido da existência, a luta do Bem x Mal, a presença real ou fictícia do demônio, etc.
Plano passado:
Focaliza as experiências de Riobaldo como jagunço, quando realiza sua longa travessia pelo sertão mineiro. Uma travessia exterior por um sertão objetivo, geográfica e historicamente falando. Numa espécie de "banalidade do mal", os bandos armados se exterminam a serviço dos grandes latifundiários. Mas como o "sertão está em toda a parte, o sertão está dentro da gente", essa travessia torna-se interior, levando Riobaldo ao autoconhecimento. A percepção de si mesmo surge do contato com outros homens, em especial da dupla polarizada Diadorim-Hermógenes. O primeiro, mulher camuflada de homem, deflagrará no narrador o processo amoroso. O segundo – força demoníaca - representará o ódio, o sangue e a perfídia.

A obra de João Guimarães Rosa – embora centrada no mundo sertanejo mineiro – ultrapassa pela linguagem revolucionária e pela indagação a respeito da questões fundamentais do homem (amor, sentido da vida e da morte, mito e razão, etc.) os parâmetros do regionalismo, permanecendo como uma obra de valor universal.

http://educaterra.terra.com.br/literatura/em maio 2006.

Fernando Pessoa - Álvaro de Campos

Poema em linha reta:

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado sem pagar,
Eu, que quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo, neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes — na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos.
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Todas as cartas de amor

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

LISBON REVISITED (1923)

Não: não quero nada.
á disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Machado x Aluizio


TEXTO 1 - VIRGILIA?

“Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois?... A mesma: era justamente a senhora, que em 1836 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção – devoção, ou talvez medo; creio que medo.
Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que devia influir mais tarde na minha vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês, se ainda fores viva, quando estas páginas vierem à luz – tu que me lês, Virgília amada, não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a que primeiro empreguei quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora; a morte não me tornou rabugento, nem injusto.
-Mas – dirás tu -, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e exprimi-la depois de tantos anos?
Ah! Indiscreta! Ah! Ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.”
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo. Ática, 1990.


TEXTO 2 - RITA BAIANA

“E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a na sua coma de prata, a cujo refulgir os maneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo e subindo, sem nunca parar os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando.
Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez em quando, rubro e quente como deve ser um grito saído do sangue. E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de loucura.”
AZEVEDO, Aloísio. O cortço. São Paulo. Scipione, 1995.

Segundo o crítico Massaud Moisés, o romance da segunda metade do século XIX tomou, entre outras, duas direções fundamentais:
A. Realismo exterior, que defendia o aproveitamento das conquistas da ciência, de molde a buscar o máximo de objetividade na fotografação da realidade concreta e que, na sua forma mais extrema, originou o Naturalismo (exemplo expresso no texto 2);
B. Realismo interior, que preconizava como realidade objetiva não a aparência, mas a essência, dos seres das coisas, de onde procurasse vasculhar a psicologia íntima das personagens (exemplo expresso no texto 1).

sábado, 7 de novembro de 2009

Como estudar Literatura

1. O texto literário deve ser o ponto de partida para estudar um movimento literário ou autor;
2. Procure compreender o que caracteriza um movimento literário ou um autor buscando definir seus temas mais comuns, sua visão de mundo, suas preocupações formais, as ligações com a tradição literária e com o contexto histórico;
3. Ao estudar uma sequência de vários autores, procure perceber as diferenças entre os temas e os aspectos formais presentes nas suas obras;
4. Ao estudar um único autor, procure observar sua relação com o movimento literário e seus vínculos com a tradição, as marcas pessoais de estilo, a sua forma particular de escrever;
5. Complemente seus estudos teóricos lendo textos da Antologia e tentando perceber neles o que aprendeu;
6. Nas aulas de Literatura, procure fazer anotações pessoais durante a abordagem dos textos;
7. Periodicamente, faça resumos teóricos sobre os autores, gerações de autores e movimentos, procurando caracterizá-los e confrontá-los entre si;
8. Complemente seus estudos com a leitura de obras pertencentes ao movimento literário estudado;
9. Ao ler uma obra literária, procure relacioná-la com o mundo que nos cerca e compreender as marcas do passado no presente: na música, no teatro, na tevê, na literatura atual.


(CEREJA, William Roberto. Português: linguagens: literatura, produção de texto e gramática. Volume I. 3ªed. São Paulo; Atual, 1999, pág. 69)

domingo, 18 de outubro de 2009

O primeiro texto em língua portuguesa

A primeira época da história da Literatura Portuguesa inicia-se em 1198 (ou 1189) quando o trovador Paio Soares de Taveirós dedica uma cantiga de amor e escárnio a Maria Pais Ribeiro, cognominada A Ribeirinha, a favorita do rei D.Sancho I.

A Ribeirinha ou Cantiga de Guarvaia / Paráfrase

No mundo non me sei parelha / No mundo ninguém se assemelha a mim,
mentre me for como me vai, / enquanto minha vida continuar assim,
ca já moiro por vós – e ai! / porque morro por vós, e ai!
mia senhor branca e vermelha,/ minha senhora de pele alva e faces
queredes que vos retraia / quereis que vos descreva
quando vos eu vi em saia! / quando vos vi sem manto!
Mau dia me levantei, / Maldito dia! Me levantei,
que vos enton non vi fea! / que não os vi feia!


E ,mia senhor, dês aquel di’, ai! / E, minha senhora, desde aquele dia,
me foi a mi mui mal, / tudo me foi muito mal,
e vós, filha de don Paai / e vós, filha de don Pai
Moniz, e bem vos semelha / Moniz, e bem vos parece
d’haver eu por vós guarvaia, / de ter eu por vós guarvaia, (roupa)
pois eu, minha senhor, d’alfaia / pois eu, minha senhora, como mimo
nunca de vós houve nen hei / de vós nunca recebi
valia d’ua Correa. / algo, mesmo que sem valor.

Paio Soares de Taveirós. In M. Moisés.A literatura portuguesa através dos textos – trovadorismo. 19ªedição,Cultrix, 1990.

O Uraguai - Basílio da Gama



Em "O Uraguai", um dos principais poemas épicos do arcadismo no Brasil, Basílio da Gama, com grande talento, reverteu o esquema épico tradicional: inicia em ex abrupto, ou seja, em plena ação; eliminou a mitologia, comum nos épicos; harmonizou a paisagem à ação; além de tratar os indígenas como matéria poética, e não apenas informativa ou exótica. Utilizou os versos da tradição épica neolatina, o decassílabo, sem estrofação fixa, com o qual produziu efeitos sonoros e imagéticos, intensificando os significados e dando agilidade à leitura.A reversão do esquema épico não nos impede de perceber as principais partes da epopéia tradicional: proposição, invocação, dedicatória, narrativa e epílogo.

Louvor à política de Pombal
O poema, além de contar a expedição do Governador do Rio de Janeiro às Missões Jesuíticas do Sul da América Latina (os Sete Povos do Uruguai), é também um canto de louvor à política de perseguição do Marquês de Pombal aos missionários. Tem dedicatória ao Ministro da Marinha, Mendonça Furtado, irmão de Pombal, que trabalhou na demarcação dos limites setentrionais entre Brasil e América Espanhola, cumprindo o Tratado de Madri (1750), que corrigia a demarcação entre as Américas espanhola e portuguesa, firmada pelo Tordesilhas.São exatamente esses litígios de fronteiras, somados ao heroísmo dos índios e a crítica à Companhia de Jesus que dão o tom de "O Uraguai". Basílio não mediu esforços para demonstrar sua gratidão ao Marquês de Pombal.

Heróis e vilões
Veja-se um pequeno fragmento da capacidade do poeta:
"Tem por despojos cabeludas peles
De ensangüentados e famintos lobos
e fingidas raposas".
Estes versos vêm logo após os que chamam Pombal de "Gênio de Alcides", numa analogia com o descendente de Alceu, que vem a ser Hércules, o grande herói da mitologia grega. E logo a seguir, no fragmento transcrito acima, diz quais são os restos de guerra destinados ao herói: as peles das raposas e dos lobos, ou seja, dos jesuítas.

Personagens principais
As principais personagens de "O Uraguai" são: o padre Balda, o vilão, jesuíta devidamente caricaturado, que tem um filho, Baldeta; a heroína Lindóia; o português Gomes Freire de Andrade e os indígenas Sepé, Cacambo e Tatu-Guaçu. Esse poema levou Basílio da Gama a ser membro da Academia Real das Ciências de Lisboa.


Resumo
Canto I
As tropas aliadas se reúnem para combater os índios e os jesuítas.
Canto II
O exército avança e há uma tentativa de negociação com os chefes indígenas Sepé e Cacambo. Sem acordo, trava-se a luta, que termina com a derrota e a retirada dos índios.
Canto III
Cacambo ateia fogo à vegetação em volta do acampamento aliado e foge para a sua aldeia. O padre Balda faz prender e matar Cacambo para que seu filho sacrílego Baldeta possa casar-se com Lindóia, esposa de Cacambo, e tomar a posição do chefe indígena morto. Lindóia, em uma visão, prevê o terremoto de Lisboa e a expulsão dos jesuítas por Pombal.
Canto IV
Neste canto são retratados os preparativos do casamento de Baldeta e Lindoia. Esta, chorando a morte do marido e não desejando casar-se, entra num bosque e deixa-se picar por uma cobra venenosa. Chegam os brancos, que cercam a aldeia. Todos fogem; antes, porém, os padres mandam queimar as casas e a igreja.
Canto V

O líder português Gomes Freire de Andrade prende os inimigos na aldeia próxima, e há referência ao domínio universal da Companhia de Jesus e a seus crimes.

O autor
Basílio da Gama (1741-1795) não foi um poeta de muitas obras. Suas principais produções foram: "Epitalâmio às Núpcias da Senhora Dona Maria Amália" (1769); "A Declamação Trágica" (1772); "Quitúbia" (1791), mas nenhuma tem a fama secular de "O Uraguai" (1769).
O poeta árcade mineiro ficou conhecido quando escreveu o epitalâmio para a filha do marquês de Pombal, como forma de se livrar do exílio em Angola, determinado pela Inquisição, por suspeita de jesuitismo. Esse fato foi determinante para tudo que produziria depois.
http://educacao.uol.com.br/literatura/ult1706u45.jhtm, em 19/07/2009.


domingo, 11 de outubro de 2009

Classicismo


Momento sócio-cultural

. Renascimento: revalorização dos modelos culturais da Antiguidade clássica pela burguesia mercantilista.
. Grandes navegações e desenvolvimento do antropocentrismo (humanismo).
. Reforma protestante: crise da Igreja católica.
. Nascimento da ciência moderna.

Características literárias

. Humanismo, antropocentrismo, racionalismo (decadência dos valores religiosos).
. A arte como mimese: imitação de modelos da Antiguidade – harmonia, equilíbrio, proporção de formas.
. Substituição da medida velha medieval (versos de 5 e 7 sílabas métricas – redondilha menor e redondilha maior) pela medida nova, proveniente da Itália (versos decassílabos – soneto).
. Poesia lírica e poesia épica.

Autores e Obras

Luis Vaz de Camões, poeta-filósofo:
Poesia lírica de influência medieval e clássica, de temática variada e abrangente (os mistérios da condição humana, a presença do homem no mundo, os conceitos e contradições amorosas, etc).
Poesia épica, Os Lusíadas, narração da heróica viagem de Vasco da Gama às Índias e a eternização de um dos momentos mais gloriosos de Portugal, a época das grandes navegações.

Os Lusíadas - Luis de Camões



Publicada em 1572, Os Lusíadas é a epopéia do povo português. A obra é composta de 10 cantos, repartidos em 1102 estrofes em oitava-rima (oito versos por estrofe e rima em ABABABCC) e decassílabos heróicos.
A epopéia camoniana é dividida em três partes: Introdução (proposição, invocação e dedicatória); Narração e Epílogo, tendo como assunto a viagem de Vasco da Gama às Índias.
A narração tem início quando as caravelas de Vasco da Gama já estão navegando pelo Oceano Índico, portanto, em plena viagem. Os navegantes são supervisionados pelos deuses do Olimpo e decidem o destino dos navegantes após a realização de um concílio.
Os portugueses encontram em Vênus uma preciosa aliada e em Baco o mais ferrenho inimigo. Na costa oriental da África os portugueses aportam em Moçambique e depois em Melinde, cujo rei pede a Vasco da Gama que conte a história do país, motivo dos cantos três e quatro. Dois episódios serão destacados dentro da história de Portugal.
O primeiro é protagonizado por Inês de Castro, jovem que acompanha D. Constança de Castela, princesa prometida a D. Pedro, filho de Afonso IV de Portugal. Jovem de rara beleza, Inês atrai a atenção do príncipe herdeiro que, após a morte da esposa, casa-se secretamente com ela. Afonso IV, ouvindo conselhos daqueles que viam nela mais uma aventureira a serviço da Espanha, manda matá-la.
O inconformado D. Pedro, ao assumir o trono português, fez de sua amada a rainha de seu povo, desenterrando-a e coroando-a. Camões obtém um efeito extraordinário ao inserir na epopéia este episódio essencialmente lírico.
No canto seguinte (IV), Gama prossegue, narrando a história de Portugal desde a dinastia de Avis (D. João I) até a partida da armada para a Índia. Nas últimas estâncias do canto está inserido o episódio de O Velho do Restelo.
Portugal vive uma fase de euforia quando do início das grandes navegações. Em meio à preparação da partida das naus rumo às grandes conquistas surge o velho do Restelo, representando a oposição passado x presente, antigo x novo.
O velho chama de vaidoso aqueles que, por cobiça ou ânsia de glória, por sua audácia ou coragem, se lançam às aventuras ultramarinas. O Velho do Restelo simboliza a preocupação daqueles que antevêem um futuro sombrio para a Pátria.
http://vestibular.uol.com.br/ultnot/livrosresumos/ult2755u31.jhtm, em 19/07/2009.

domingo, 4 de outubro de 2009

Lygia Fagundes Telles - Antes do baile verde



Resumo
1. Os objetos é o primeiro conto e narra o diálogo entre o marido e sua mulher sobre os objetos comprados, os seus valores e suas representações. Como o peso de papel que só tem função se está sobre papéis e um anjinho que só tem valor quando tocado, pois ganha vida.
2. Verde lagarto amarelo fala sobre dois irmãos, o mais velho e o caçula Rodolfo. O mais novo sempre foi o preferido da mãe, e o mais velho vivia a serviço do querer dele por intervenção da mãe. O mais velho sempre mais calado e quieto cresceu e vivia sozinho; a única coisa que sentia ter como sua era a escrita, ele era escritor. Já Rodolfo era casado, animado. Foi numa visita que fez ao irmão que lhe declarou também ter escrito um romance, roubando assim a única coisa pertencente ao irmão mais velho.
3. Apenas um saxofone é a história de uma mulher velha e rica. Tinha um homem rico que a sustentava, um jovem que lhe satisfazia e um professor espiritual com quem dormia. Possuía jóias, tapetes e uma mansão, no entanto vivia infeliz. Vivia na saudade do seu grande amor, um saxofonista que se dedicara a ela completamente, ela era a música dele. Ele tocava com paixão o saxofone e assim mantinha a mulher. Mas a relação se desgastou a ponto dele ir embora enojado. E assim ela vivia só com a lembrança.
4. Helga fala de um jovem do sul do Brasil que vivia em férias na Alemanha, logo assumindo uma vida alemã. Em uma das férias passou pela guerra, não seria mais aceito no Brasil. Vivia ali de uma espécie de tráfico de alimentos. Foi lá que conheceu Helga, uma alemã por quem se apaixonou, ela tinha uma cara perna ortopédica. Chegou a noivar, o pai dela propôs que iniciassem o tráfico de penicilina, mas faltava o investimento inicial. Foi assim que ele casado com Helga roubou-lhe a perna ortopédica e desapareceu voltando, tempos depois, rico para o Brasil.
5. O moço do saxofone narra a história de um chofer de caminhão que se instalou em uma pensão. Nela viviam inúmeros anões e uma mulher com seu marido que era saxofonista, um homem traído e conformado. Na pensão havia quartos separados, quando a esposa estava com outro homem o marido tocava o saxofone de uma forma deprimente, isso incomodava de mais o chofer. Quando ele se encontrou com a mulher do saxofonista marcaram um encontro. Ela explicou qual era a porta, no entanto quando ele chegou teve com o saxofonista, conformado como era indicou a direção e ao ser questionado do por que não fazia nada afirmou que tocava o saxofone. Com isso o chofer partiu da pensão.
6. Antes do baile verde narra a preparação da jovem Tatisa para o carnaval. Com ajuda da sua empregada pregavam, nos últimos minutos, as lantejoulas na saia da moça, nesse momento a empregada se inquietava, pois iria se atrasar para o encontro com seu homem e também discutiam o fato de que o pai de Tatisa vivia seus últimos minutos. Ainda antes de sair, a menina duvidosa da proximidade da morte do pai, desejava ir ao baile. Assim, as duas saíram à porta deixando o pai de Tatisa desfalecendo.
7. A caçada fala de um homem que visitando uma loja de antigüidades encontra uma tapeçaria velha onde encontra alguma lembrança que não reconhece. Torna-se preso à imagem e se sente como personagem da caçada que ela ilustrava. Passou a ir à loja com freqüência para observar a peça e foi na frente dela que teve um ataque cardíaco.
8. A chave fala de um casamento saturado, onde Tom e sua mulher se arrumam para um jantar, enquanto ele insatisfeito reclama e pensa na inutilidade desses jantares e no quanto gostaria de ficar ali dormindo.
9. Meia noite em ponto em Xangai narra a noite de uma cantora que alcança o momento de brilho de sua carreira em um concerto na China. Recebe em casa, depois do show, seu empresário e conversam sobre a carreira dela e sobre a desumanidade dos empregados dali. Porém, depois que o empresário se vai a cantora junta a seu cachorrinho e se aterrorizam com a escuridão e com a suposta presença do empregado no aposento.
10. A janela narra a conversa entre um homem e uma mulher. O homem chega ao quarto da mulher, se aproxima da janela dizendo que seu filho morrera ali e que na janela havia uma roseira que seu filho amava. A mulher o questiona, mas ele pouco responde, preso à lembrança do filho. A mulher então lhe oferece um refresco ao que ele aceita, mas quando ela retorna ao quarto vem acompanhada de médicos, ele lhe pergunta o motivo e sem necessidade da camisa de força os médicos o levam embora.
11. Um chá bem forte e três xícaras fala da espera de uma mulher, enquanto observa uma nova borboleta em uma rosa, por sua convidada ao chá, uma jovem de 18 anos que trabalha com seu marido. A empregada que está com ela pergunta se tal moça é a que liga atrás do patrão e ela afirma que sim. Depois, limpando as lágrimas, a mulher caminha até o portão para receber a jovem que vem chegando, enquanto a empregada vai buscar o chá e três xícaras, caso o patrão venha também.
12. O jardim selvagem fala sobre o chamado Tio Ed casado com Daniela, um jardim selvagem. A princípio, em confidência com a sobrinha, a Tia Pombinha, irmã de Ed, desaprova o casamento, dizendo que Daniela vive constantemente com uma luva em uma das mãos a qual ninguém vê. No entanto, depois de conhecê-la a acha um amor. Depois de um tempo a empregada da casa conta à sobrinha de Ed que viu Daniela matar o cachorro da casa com um tiro na cabeça, essa afirmava que só lhe poupou da dor que a doença lhe causava. Por isso, a empregada havia pedido até demissão. Dias depois chegou a notícia que Ed estava doente e, mais tarde, que ele se matara com um tiro na cabeça.
13. Natal na barca narra o diálogo de uma senhora com uma mulher em uma barca que cruza o rio no dia de natal. A mulher trás no colo o filho doente a quem está levando ao médico, durante a viagem ela conta a senhora de como perdeu o filho mais novo quando ele pulou do muro intencionando voar e como o marido a abandonou mandando uma carta depois. A senhora, sem saber o que dizer, arruma a manta do bebê e percebe que ele estava morto, nesse ponto a embarcação chega e ela se precipita pra descer não querendo ver a dor da mulher. Porém, assim que descem o bebê acorda e a senhora vê a mãe e a criança partirem.
14. A ceia trata da despedida de dois amantes em um restaurante. A mulher desesperada e apaixonada tristemente suplica para que o homem a visite, mas ele afirma que acabou. No entanto, diz que foi bom durante todo o tempo e não quer romper como inimigos. Ela assume um ar sarcástico e o questiona sobre a noiva, depois lhe pede que vá embora, partindo sozinha.
15. Venha ver o pôr-do-sol fala da história de um casal que depois de um tempo que já haviam rompido o relacionamento, devido às súplicas do homem se reencontram. Ricardo marca um encontro no cemitério, Raquel vai relutante e assim conversando ele a conduz até o jazigo que dizia ser de sua família. Ele a leva até lá a fim de mostrar, no túmulo, a fotografia da sua prima que tinha olhos parecidíssimos com os de Raquel. Quando entra no jazigo Raquel vê que a data da morte da moça era muito antiga para ter sido prima de Ricardo, mas a esse ponto ele já havia fechado o jazigo, trancou até a fechadura e depois foi embora, enquanto crianças brincavam na rua.
16. Eu era mudo e só fala sobre um homem oprimido pelo casamento que o afastou dos amigos. A mulher, criada na perfeita educação das aparências, também passa isso para a filha Gisela. Ele abandonara o jornalismo e se tornara sócio do sogro no ramo de máquinas agrícolas apenas para manter o padrão que Fernanda exigia.
17. Pérolas fala sobre Tomás e Lavínia, que são casados. Ela se prepara para uma reunião e ele sentado observando-a se arrumar já imagina o que acontecerá na reunião, vê a mulher com Roberto na sacada, próximos, sem palavras, mas sabendo que se amam. Ele fica incentivando-a a ir. Quando ela procura o colar de pérolas, para finalmente ir para a reunião, não o encontra. Ele o escondera para diminuir a realidade do que aconteceria na sacada, mas quando ela estava na calçada ele diz achar o colar e o entrega a Lavínia.
18. Menino narra a ida do menino e sua mãe ao cinema. Enquanto caminham ele vai orgulhoso por causa beleza da mãe. Quando chegam ao cinema, ela, que caminhara apressada na rua, se demora na porta do cinema e manda o menino comprar doces. Finalmente entram na sala e passam por muitos acentos com vaga para duas pessoas até que chegam a um com lugar para três. O filme começa e o menino reclama da enorme cabeça na sua frente, ele tenta mudar de lugar, mas a mãe não deixa, até que se senta na cadeira vaga um homem. Depois de alguns momentos a cabeça que o atrapalhava sai do acento e nessa hora ele vê a mãe de mãos dadas ao estranho do lado. Daí para frente a imagem da mão branca da mãe e da mão morena do homem o perturba. Pouco antes do fim do filme o homem parte. Ele e a mãe vão embora, ela alegremente. Chegando a casa encontram o pai e o menino então chora.

João Guimaães Rosa - Primeiras estórias



ENREDOS
I - "As margens da alegria". Um menino descobre a vida, em ciclos alternados de alegria (viagem de avião, deslumbramento pela flora, e fauna) e tristeza (morte do peru e derrubada de uma árvore).
II - "Famigerado". O jagunço Damázio Siqueira atormenta-se com um problema vocabular: ouviu a palavra "famigerado" de um moço do governo e vai procurar o farmacêutico, pessoa letrada do lugar, para saber se tal termo era um insulto contra ele, jagunço.
III - "Sorôco, sua mãe, sua filha". Um trem aguarda a chegada da mãe e da filha de Sorôco, para conduzí-las ao manicômio de Barbacena. Durante o trajeto até a estação, levadas por Sorôco, elas começam surpreendentemente a cantar. Quando o trem parte, Sorôco volta para casa cantando a mesma canção, e os amigos da cidadezinha, solidariamente, cantam junto.
IV - "A menina e lá". Nhinhinha possuía dotes paranormais: seus desejos, por mais estranhos que fossem, sempre se realizavam. Isolados na roça, seus parentes guardam em segredo o fenômeno, para dele tirar proveito. As reticentes falas da menina tinham caráter de premonição: por exemplo, o pai reclamara da impiedosa seca. Nhinhinha "quis" um arco-íris, que se fez no céu, depois de alentadora chuva. Quando ela pede um caixãozinho cor-de-rosa com efeites brilhantes ninguém percebe que o que ela queria era morrer...
V - "Os irmão Dagobé". O valentão Damastor Dagobé, depois de muito ridicularizar Liojorge, é morto por ele. No arraial, todos dão como certa a vingança dos outros Dagobé: Doricão, Dismundo e Derval. A expectativa da revanche cresce quando Liojorge comunica a intenção de participar do enterro de Damastor. Para surpresa de todos, os irmãos não só concordam, como justificam a atitude de Liojorge, dizendo que Damastor teve o fim que mereceu.
VI - "A terceira margem do rio". Um homem abandona família e sociedade, para viver à deriva numa canoa, no meio de um grande rio. Com o tempo, todos, menos o filho primogênito, desistem de apelar para o seu retorno e se mudam do lugar. O filho, por vínculo de amor, esforça-se para compreender o gesto paterno: por isso, ali permanece por muitos anos. Já de cabelos brancos e tomado por intensa culpa, ele decide substituir o pai na canoa e comunica-lhe sua decisão. Quando o pai faz menção de se aproximar, o filho se apavora e foge, para viver o resto de seus dias ruminando seu "falimento" e sua covardia.
VII - "Pirlimpsiquice". Um grupo de colegiais ensaia um drama para apresentá-lo na festa do colégio. No dia da apresentação, há um imprevisto, e um dos atores se vê obrigado a faltar. Como não havia mais possibilidade de se adiar a apresentação, os adolescentes improvisam uma comédia, que é entusiasticamente bem recebida pela platéia.
VIII - "Nenhum, nenhuma". Uma criança, não se sabe se em sonho ou realidade, passa férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem triste e de uma velha velhíssima, de quem a noiva cuidava. O casal interrompe o noivado, e o menino, que conhecera o Amor observando-os, volta para a casa paterna. Lá chegando, explode sua fúria diante dos pais ao notar que eles se suportavam, pois tinham transformado seu casamento num desastre confortável.
IX - "Fatalidade". Zé Centeralfe procura o delegado de uma cidadezinha, queixando-se de que Herculinão Socó vivia cantando sua esposa. A situação tornara-se tão insuportável que o casal mudara de arraial. Não adiantou: o Herculinão foi atrás. O delegado, misto de filósofo, justiceiro e poeta, depois de ouvir pacientemente a queixa, procura o conquistador e, sem a mínima hesitação, mata-o, justificando o fato como necessário, em nome da paz e do bem-estar do universo.
X - "Seqüência". Uma vaca fugitiva retorna a sua fazenda de origem. Decidido a resgatá-la, um vaqueiro persegue-a com incomum denodo. Ao chegar à fazenda para onde a vaca retornara, o vaqueiro descobre que havia outro motivo para sua determinação: a filha do fazendeiro, com quem o rapaz se casa.
XI - "O espelho". Um sujeito se coloca diante de um espelho, procurando reeducar seu olhar. apagando as imagens do seu rosto externo. A progressão desses exercícios lhe permite, daí a algum tempo, conhecer sua fisionomia mais pura, a que revela a imagem de sua essência.
XII - "Nada e a nossa condição". O fazendeiro Tio Man'Antônio, com a morte da esposa e o casamento das filhas, sente-se envelhecido e solitário. Decide vender o gado, distribuindo o dinheiro entre as filhas e genros. A seguir, divide sua fazenda em lotes e os distribui entre os empregados, estipulando em testamento uma condição que só deveria ser revelada quando morresse. Quando o fato ocorre, os empregados colocam seu corpo na mesa da sala da casa-grande e incendeiam a casa: a insólita cerimônia de cremação era seu último desejo.
XIII - "O cavalo que bebia cerveja". Giovânio era um velho italiano de hábitos excêntricos: comia caramujo e dava cerveja para cavalo. Isso o tornara alvo da atenção do delegado e de funcionários do Consulado, que convocam o empregado da chácara de "seo Giovânio", Reivalino, para um interrogatório. Notando que o empregado ficava cada vez mais ressabiado e curioso, o italiano resolve então abrir a sua casa para Reivalino e para o delegado: dentro havia um cavalo branco empalhado. Passado um tempo, outra surpresa: Giovânio leva Reivalino até a sala, onde o corpo de seu irmão Josepe, desfigurado pela guerra, jazia no chão. Reivalino é incumbido de enterrá-lo, conforme a tradição cristã. Com isso, afeiçoa-se cada vez mais ao patrão, a ponto de ser nomeado seu herdeiro quando o italiano morre.
XIV - "Um moço muito branco". Os habitantes de Serro Frio, numa noite de novembro de 1872, têm a impressão de que um disco voador atravessou o espaço, depois de um terremoto. Após esses eventos, aparece na fazenda de Hilário Cordeiro um moço muito branco, portando roupas maltrapilhas. Com seu ar angelical, impõe-se como um ser superior, capaz de prodígios: os negócios de Hilário Cordeiro, o fazendeiro que o acolheu, têm uma guinada espantosamente positiva. Depois de fatos igualmente miraculosos, o moço desaparece do memo modo que chegara. XV - "Luas-de-mel". Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza recebem em sua fazenda um casal fugitivo, versão sertaneja de Romeu e Julieta. Certos de que os capangas do pai da moça virão resgatá-la, todos se preparam para um enfrentamento: a casa da fazenda transforma-se num castelo fortificado. É nesse clima de tensão que se celebra o casamento dos jovens, a que se segue a lua-de-mel, que acontece em dose dupla: dos noivos e do velho casal de anfitriões, cujo amor fora reavivado com o fato. Na manhã seguinte, a expectativa se esvazia com a chegada do irmão da donzela, que propõe solução satisfatória para o caso.
XVI - "Partida do audaz navegante". Quatro crianças, três irmãs e um primo, brincam dentro de casa, aguardando o término da chuva. A caçula, Brejeirinha, brinca com o que lhe dava mais prazer: as palavras. Inventa uma estória do tipo Simbad, o marujo, que ganha novos elementos quando todos vão brincar no quintal, à beira de um riacho. Liberando sua fantasia, Brejeirinha transforma um excremento de gado no "audaz navegante", colocando-o para navegar riacho abaixo.
XVII - "A benfazeja". Mula-Marmela era mulher de Mumbungo, sujeito perverso que se excitava com o sangue de suas vítimas. Esse vampiro tinha um filho, Retrupé, cujo prazer só diferia do do pai quanto à faixa etária das vítimas: preferia as mais frescas. Apesar de amar seu homem e ser correspondida, Mula-Marmela não hesitara em matá-lo e depois cegar Retrupé, de quem se torna guia. Passado algum tempo, resolve assassiná-lo: percebe que esta seria a única maneira de refrear o instinto de lobisomem do rapaz.
XVIII - "Darandina". Um sujeito bem-vestido rouba uma caneta, é surpreendido e, para escapar dos que o perseguem, escala uma palmeira. Uma multidão acompanha atentamente os esforços das autoridades, que procuram convencer o rapaz a descer. Resistindo, ele diz frases desconexas e tira toda a roupa, revelando notável equilíbrio físico. A sessão de nudismo leva um médico a nova tentativa de diálogo. Ao se aproximar, o médico percebe que o sujeito voltara à normalidade e que, envergonhado, pedia socorro. A multidão, sentindo-se ludibriada, não aceita essa sanidade repentina e se dispõe a linchá-lo. Sentindo o risco, o sujeito berra um grito de louvor à liberdade, motivo bastante para a multidão ovacioná-lo e carregá-lo nos ombros.
XIX - "Substância". O fazendeiro Sionésio apaixona-se por sua empregada Maria Exita, que fora abandonada pela família e criada pela peneireira Nhatiaga. Na fazenda, o ofício de Maria Exita era o de quebrar polvilho, trabalho duro mas que a moça realizava com prazer e competência. Embora preocupado com a ascendência da moça, Sionésio sente que a paixão é maior que o preconceito e pede-a em casamento.
XX - "Tarantão, meu patrão". O fazendeiro João-de-Barros-Dinis-Robertes tem uma surpreendente explosão de vitalidade em sua velhice caduca. Como se fora um Quixote, determina-se a matar seu médico: o Magrinho, seu sobrinho-neto. Ao longo da viagem rumo à cidade, recruta um bando de desocupados, ciganos e jagunços, que acatam sua liderança, pelo carisma natural do velho. Chegando à "frente de batalha", Tarantão percebe que era dia de festa: uma das filhas de Magrinho fazia aniversário. O susto inicial, provocado pela invasão do "exército", transforma-se em alívio quando o velho discursa, dizendo de seu apreço pela família e pelos novos amigos, colecionados ao longo da última cavalgada.
XXI - "Os cimos". O menino da primeira estória revela agora a face do sofrimento, causado pela doença da Mãe, fato que apressa sua viagem de volta à casa paterna. Os últimos dias de férias são de preocupação. O Menino só relaxava quando via, todas as manhãs e sempre à mesma hora, um tucano se aproximar da casa dos rios, onde se hospedava. Num processo de sublimação, desencadeado pela beleza da ave, o Menino ganha energia para resistir e para transferir à Mãe uma carga de fluidos mentais positivos, que lhe permitam superar a doença. Quando o Tio o procura para comunicar a melhora da Mãe, o Menino experimenta momentos de êxtase, pois só ele sabia do motivo da cura.
FOCO NARRATIVO
As indicações feitas a seguir são pontuadas com os algarismos que indicam a ordem de pubicação de cada estória no livro. Assim, dez delas têm o foco relato centrado na terceira pessoa:
I-"As margens da alegria"; II-"Famigerado";III-"Sorôco, sua mãe, sua filha"; IV-"A menina de lá"; V-"Os irmãos Dagobé"; VIII-"Nenhum, nenhuma"; X-"Seqüência"; XIV-"Um moço muito branco"; XIX-"Substância" e XXI-"Os cismos".
As onze estórias restantes são relatadas em primeira pessoa:
VI-"A terceira margem do rio"; VII-"Pirlimpsiquice"; IX-"Fatalidade"; XI-"O espelho"; XII-"Nada e a nossa condição"; XIII-"O cavalo que bebia cerveja"; XV-"Luas de mel"; XVI-"Partida do audaz navegante"; XVII-"A benfazeja"; XVIII-"Darandina" e XX-"Tarantão, meu patrão". Dessas onze estórias, apenas duas apresentam o narrador como protagonista: "O espelho" e "Pirlimpsiquice"; nas outras, o relato é feito por um espectador privilegiado, que presencia a ação e registra suas impressões a respeito do que assiste. O narrador pode ser também um personagem secundário da estória, com laços de parentesco ou e amizade com o protagonista.
Quanto ao emprego dos tempos verbais, nota-se que, na maior parte das estórias, o relato se faz através de uma mistura do pretérito perfeito com o pretérito imperfeito do indicativo.
ESPAÇO
A maioria das estórias se passa em ambiente rural não especificado, em sítios e fazendas; algumas têm como cenário pequenos lugarejos, arraiais ou vilas. Os ambientes são apresentados com poucos mas precisos toques: moldura de altos morros, vastos horizontes, grandes rios, pastos extensos, escassas lavouras. Duas estórias, no entanto - "O espelho" e "Darandina" -, transcorrem em cidades, pressupostas até como grandes centros urbanos, pelo fato de mencionarem a existência de secretarias de governo, hospício, corpo de bombeiros, jornalistas, parques de diversões, prédios de repartições públicas e outros serviços tipicamente urbanos.
PERSONAGENS

Embora variem muito quanto à faixa etária e experiência de vida, as personagens se ligam por um aspecto comum: suas reações psicossociais extrapolam o limite da normalidade. São crianças e adolescentes superdotados, santos, bandidos, gurus sertanejos, vampiros e, principalmente, loucos: sete estórias apresentam personagens com este traço.

Sociedade Partenon Literária

História
A Sociedade Parthenon Litterario foi criada em 18 de junho de 1868, num período de efervescência social e política, com a Guerra do Paraguai em andamento, as idéias republicanas em expansão e uma forte retomada do movimento abolicionista.
Sediada em Porto Alegre, contava com colaboradores de toda província, promovendo um intercâmbio cultural que impulsionou a intelectualidade riograndense. Sua criação foi centrada em duas figuras: o médico e escritor José Antônio do Vale Caldre e Fião, presidente honorário, e o jovem Apolinário José Gomes Porto-Alegre. Caldre e Fião além do apoio à iniciativa, emprestou seu prestígio pessoal, pois era autor conhecido. Já Apolinário foi fundamental com sua atuação e postura.
Seu surgimento permitiu o intercâmbio de informações, textos e idéias entre os autores membros, promovendo a circulação de matérias literárias em diferentes jornais que percorreram os mais distantes recantos do Rio Grande do Sul. Sua atuação não se resumiu apenas à divulgação de literária, mas também expandir a cultura dos gaúchos, oferecendo cursos noturnos para adultos (mostrando sua preocupação com a formação intelectual da população) e criando uma biblioteca com importantes obras de Filosofia, História e Literatura e um museu com seções de Mineralogia, Arqueologia, Numismática e Zoologia. As aulas noturnas foram uma das atividades mais duradouras, permanecendo até 1884 quando, devido à dificuldades financeiras e falta de um local para abrigar as aulas, estas foram suspensas.
A Sociedade participava de campanhas abolicionistas, angariando fundos para libertação de escravos e propagava os ideais republicanos. Promovia também debates com temas diversos como a Revolução Farroupilha, casamento , pena de morte e feminismo.
Ao longo de sua existência funcionou em diversos locais, sem nunca ter tido sede própria. Em novembro de 1873, numa cerimônia em que estiveram o presidente da província, João Pedro Carvalho de Morais, e o bispo de Porto Alegre houve uma primeira tentativa de fundação de um espaço próprio, em uma região, na época, distante do centro da cidade, que deu o nome a um dos atuais bairros de Porto Alegre, o Partenon. A sede seria onde hoje é a Igreja Santo Antônio. Outra tentativa deu-se em 10 de janeiro de 1885, com presença da Princesa Isabel e do Conde D'Eu, lançou-se a pedra fundamental de um edíficio que seria localizado na rua Riachuelo.
O Partenon Literário precedeu 30 anos a Academia Brasileira de Letras, publicando diversas obras literárias, bem como a tradicional Revista Literária, ora em formato de livro, seu legado mais forte. A Revista circulou durante dez anos e continha críticas literárias, biografias, comentários, editoriais e estudos sobre a história e cultura gaúchas. Discursos proferidos na Sociedade eram depois transcritos para a revista, além de contos, narrativas, peças teatrais e poesias. Os textos mais longos eram divididos em diversas partes e publicados ao longo de diversos números.
Entre os membros de destaque da sociedade pode-se citar: Apolinário José Gomes Porto-Alegre, seus irmãos Apeles e Aquiles, Afonso Luís Marques, Alberto Coelho da Cunha (Vítor Valpírio), Antônio Vale Caldre Fião, Argemiro Galvão, Augusto Rodrigues Tota, Aurélio Veríssimo de Bittencourt, Bernardo Taveira Júnior, Bibiano Francisco de Almeida, Carlos von Koseritz, Francisco Antunes Ferreira da Luz, Francisco Isidoro de Sá Brito, Hilário Ribeiro, Inácio de Vasconcelos Ferreira, José Bernardino dos Santos, João Damasceno Vieira Fernandes, José Carlos de Sousa Lobo, Lobo da Costa, Múcio Scevola Lopes Teixeira, dentre inúmeros outros. Entre as mulheres se destacaram Luciana de Abreu,a primeira mulher a subir na tribuna para falar em público, Luísa de Azambuja, Amália dos Passos Figueroa e Revocata Heloísa de Melo.
A sociedade foi extinta por volta de 1925, mediante a doação de terreno que tinha obtido para a construção de sua sede, pois de fato já deixara de existir desde 1885 quando paralisou os trabalhos associativos.
Refundação
Depois de 112 anos, reiniciou as suas atividades em 1997 a partir de um grupo de intelectuais interessados em prosseguir com os postulados dos próceres de 1868. Juridicamente, no entanto, apesar de dizer-se que a Sociedade reiniciou as suas atividades em 1997, o que houve, na verdade, foi a re-fundação da extinta entidade, ora dita em sua fase Século XXI.
Assim como os sócios antigos, os atuais não estão presos ou subordinados a qualquer tipo fechado de literatura ou expressão artística. Entre eles, incluem-se juristas, poetas, prosadores, artistas plásticos, jornalistas, músicos e atores. Trata-se de uma sociedade ecumênica por excelência.
Atividades literárias
A entidade conta agora com mais seis publicações, além da tradicional Revista do Partenon Literário (na verdade livro), ora em seu número 4. E são elas:
Coleção Autores Reunidos,
Coleção Prata da Casa,
Coleção Nossas Letras,
Coleção Letras Jurídicas,
Coleção Palestras do Partenon,
Coleção Arquivo e História.
A antologia literária Genesis se constituiu no primeiro volume da Coleção Autores Reunidos, quase ou praticamente esgotada no seu lançamento, em novembro de 2003, e já se encontra em fase final o volume II, com algumas vagas e ainda sem título definido.
Existem inúmeros autores por publicar e existem escritores consagrados que se dispõem, sem quaisquer preconceitos, a escrever e publicar junto com autores que, ainda no ensino fundamental ou médio, se envolvem com os dons da literatura. De resto, como foi o caso do próprio Múcio Teixeira que ingressou no Parthenon Literário com quinze anos, por sinal, dentre inúmeros outros integrantes, naquela ocasião, e agora na atualidade, como é o objeto de recente publicação, “A Mocidade do Parthenon Litterário”, de Benedito Melgarejo Saldanha, que se tornou sócio após o lançamento.
No ano de 2003 deu-se a comemoração dos 135 anos com uma Exposição Lítero-histórico-fotográfica na Câmara Municipal de Porto Alegre. Além de exemplares raros, a exposição contou com fac-símiles das capas dos autores contemporâneos integrantes da Sociedade Partenon Literário.
A mostra tem por objetivo divulgar ao público em geral a trajetória da entidade que se dedica à literatura e à arte, constituindo-se em uma das Sociedades mais importantes e representativas no cenário da cultura nacional.
Atualmente reúne escritores, poetas, atores e músicos, difundindo as mais variadas formas de cultura.

O Romance de 30

Depois da Semana de Arte Moderna, a idéia de "modernismo" - ou seja, de novas atitudes artísticas contra a arte encarada como artificial, contra tudo o que os escritores consideravam "velho"- parecia não ter sido absorvida e a literatura no Brasil parecia não ter mudado em nada.
Entretanto, alguns intelectuais de várias regiões começaram a manifestar-se: a verdadeira arte moderna devia retratar criticamente um Brasil mais abrangente, que mal se conhecia, cujas desigualdades sociais fossem retratadas com vigor num realismo próprio do século 20. A arte literária, segundo vários intelectuais, devia sair dos "salões aristocráticos de São Paulo", quer dizer, devia abandonar o contato apenas com o urbano, influenciado pelas vanguardas européias.

O Romance de 30
Em 1926, ocorre um congresso em Recife e nele se encontram escritores do Nordeste; estes se dispõem, aos poucos, a fazer uma prosa regional consistente e participativa. É dessas primeiras manifestações que surgirá um dos momentos mais autênticos da literatura brasileira, o Romance de 30.
A data de 1930 é marcante porque consolida a renovação do gênero romance no Brasil, ou seja, traz novos rumos à prosa. Depois de tanta arruaça intelectual dos primeiros modernistas no Sudeste do país, procura-se atingir equilíbrio e estabilidade, que, aos poucos, vai aparecendo em obras e mais obras: O quinze, de Rachel de Queiroz (1930); O país do Carnaval, de Jorge Amado (1931); Menino de engenho, de José Lins do Rego (1932); São Bernardo, de Graciliano Ramos (1934); e Capitães da areia, de Jorge Amado (1937).
Esta nova literatura em prosa será antifascista e anticapitalista, extremamente vigorosa e crítica. Os livros didáticos a chamam com vários nomes: "Romance de 30" (porque é o início cronológico da nova literatura); romance neo-realista (porque essas obras conseguiram renovar e modernizar o realismo/naturalismo do século 19, enriquecendo-o com preocupações psicológicas e sociais) ou romance regionalista moderno (porque escapa das metrópoles e vai ao Brasil regional, preso ainda a antinomias dos séculos anteriores).
Lembremos, inclusive, que algumas obras sociológicas fundamentais surgem nessa mesma época: Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, é de 1933, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, de 1936.
De todos os nomes para essa época, o melhor parece ser o do título deste artigo. Por quê? Porque os romances de Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego, Érico Verissimo, Graciliano Ramos e outros escritores criaram um estilo novo, completamente moderno, totalmente liberto da linguagem tradicional, nos quais puderam incorporar a real linguagem regional, as gírias locais.

A consciência crítica
Mais do que tudo, através dessa "fala", consolidaram em suas obras questões sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo, apoiado na posse das terras - todos problemas sociopolíticos que se sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões retratadas.
Leia, por exemplo, um trecho de Vidas secas, de Graciliano Ramos:
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos
[...]
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanhacado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Perceba a força narrativa com que o narrador descreve a cena cruel, de retirantes exaustos sob o sol, a família silenciosa e triste, com a qual ele se solidariza ("os infelizes"); ele e nós, os leitores. A lentidão proposital da narrativa é a superação difícil do caminho sob o sol (para onde vai quem não tem terras?) e a secura descritiva reproduz o silêncio dos que estão exaustos. Essa é a seca vida do herói - agora um anti-herói -, humilhado e vencido pelo meio hostil.
Esses romances foram fundamentais para o amadurecimento da consciência crítica e social do leitor brasileiro. Com eles, encontramos formas de compreensão do homem em várias faixas da sociedade brasileira e do determinismo que o persegue em situações adversas. É injusto pensarmos que esses romances mostraram apenas as "mulatas gabrielas" para o mundo exterior. As formas de narrar o cotidiano ficaram mais complexas e tensas.
Leia mais um trecho de Graciliano Ramos, não da história de Fabiano, mas da de Paulo Honório, que foi guia de cego e trabalhador de enxada, mas conseguiu conquistar, com violência e determinação, além da fazenda de São Bernardo, respeito, dinheiro e prestígio: virou um coronel. Teria sido um Fabiano que deu certo? Parece que não:
Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei
[...]
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
[...]
Não consigo modificar-me, é o que aflige.
[....]
A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste.
A adesão ao socialismo impôs aos escritores da época, às vezes de forma radical, fórmulas de compreensão do homem em sociedade. Os romancistas, imbuídos do sentimento de missão política, queriam mostrar as tensões que transformavam ou destruíam os homens - aliás, um tema universal e sempre vivo na literatura.
Mas o fato é que sem os modernistas de 1922 (1ª geração), dificilmente os modernistas de 1930 (2ª geração) teriam conseguido o feito literário e social que obtiveram, porque aqueles foram os primeiros que provocaram a atualização da "inteligência" brasileira, foram eles que trouxeram para a literatura o fato não-literário e a oralidade, que tanto beneficiou o realismo seco dos escritores regionalistas, dando-lhes maior autenticidade.
Por outro lado, mesmo com os romances mais pitorescos e menos brutais, os leitores aprenderam, como nos ensina Alfredo Bosi (História concisa da literatura brasileira), que o velho mundo dos homens poderosos não acaba tão facilmente: as estruturas das oligarquias regionais se mantêm através do poder e da força, e é contra eles que se tem de lutar. Como nos conta Jorge Amado, ao final de Capitães da areia:
No ano em que todas as bocas foram impedidas de falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais (únicas bocas que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia.
[...]
E no dia em que ele fugiu..., em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia.
[...]
Qualquer daqueles lares se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.
http://educacao.uol.com.br/portugues/modernismo-romance-30.jhtm. Em 19/07/2009.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pré-Modernismo - Poetas


AUGUSTO DOS ANJOS (1884-1914)

Produziu textos de grande originalidade. Considerado por alguns como poeta simbolista, Augusto do Anjos é na verdade representante de uma experiência única na literatura universal: a união do Simbolismo com o cientificismo naturalista. Por isso, dado o caráter sincrético de sua poesia, convém situá-lo entre os pré-modernistas.
Os poemas de sua única obra, Eu (1912), chocam pela agressividade do vocabulário e pela visão dramaticamente angustiante da matéria, da vida e do cosmos. Compõem sua linguagem termos até então considerados antipoéticos, como escarro, verme, germe, etc. Os temas são igualmente inquietantes: a prostituta, as substâncias químicas que compõem o corpo humano, a decrepitude dos cadáveres, os vermes, o sêmen, etc.
Além dessa “camada científica”, há na poesia do autor a dor de ser dos simbolistas, marcada por anseios e angústias existenciais, provável influência do filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
Para o poeta, não há Deus nem esperança; há apenas a supremacia da ciência. Quanto ao homem, as substâncias e energias do universo que o geraram, compondo a matéria de que ele é feito – carne, sangue, instinto, células - , tudo fatalmente se arrasta para a podridão e para a decomposição, para o mal e para o nada.
Em síntese, a poesia de Augusto dos Anjos é caracterizada pela união de duas concepções de mundo distintas: de um lado, a objetividade do átomo; de outro, a dor cósmica, que busca descobrir o sentido da existência humana.


Versos íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te, à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável
Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Eu e outros poemas. 30ed. Rio de Janeiro; Livraria São José, 1965. p.146)

Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Eu e outros poemas, cit.,p.60)

Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula de esbroa
Ao contacto de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
(Eu e outros poemas, cit.,p. 84)

O morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho,
Meu deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
-Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
e olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho.
Circularmente sobre minha rede!


Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
(Eu e outros poemas, cit.,p.59)

SIMBOLISMO - Poetas

CRUZ E SOUZA (1861-1898) – Sua produção inicial fala da dor e do sofrimento do homem negro, mas evolui para o sofrimento e a angústia do ser humano. Em suas poesias, estão sempre presentes a sublimação, a anulação da matéria para a liberação da espiritualidade, só conseguida com a morte. Outra característica sua é a obsessão pela cor branca e por tudo aquilo que sugere brancura.

Música da Morte
A Música da Morte, a nebulosa,
estranha, imensa música sombria,
passa a tremer pela minh’alma e fria
gela, fica a tremer, maravilhosa...


Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
letes sinistro e torvo da agonia,
recresce e lancinante sinfonia,
sobe, numa volúpia dolorosa...

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
tremenda, absurda, imponderada e larga,
de pavores e trevas alucina...

E alucinando e em trevas delirando,

Como um ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina...

Flores da Lua
Brancuras imortais da Lua Nova,
frios de nostalgia e sonolência...
Sonhos brancos da Lua e viva essência
dos fantasmas noctívagos da Cova.


Da noite a tarda e taciturna trova
soluça, numa trêmula dormência ...
Na mais branda, mais leve florescência
tudo em Visões e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
dormem o sono das profundas seivas,
monótono, infinito, estranho e lasso...

E das origens da luxúria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
flores amargas do palor da Morte.


Cavador do Infinito
Com a lâmpada do sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.


Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho
E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!


ALPHONSUS DE GUIMARAENS (1870-1921) – Misticismo, Amor e Morte, eis o triângulo que caracteriza sua obra. Além desses, destacam-se ainda a linguagem de sugestão , o uso de aliterações e uma tendência à autocompaixão.

Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.


No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

A cabeça de corvo
Na mesa, quando em meio à noite lenta
Escrevo antes que o sono me adormeça,
Tenho o negro tinteiro que a cabeça
De um corvo representa.

A contemplá-lo mudamente fico
E numa dor atroz mais me concentro:
E entreabrindo-lhe o grande e fino bico,
Meto-lhe a pena pela goela a dentro.

E solitariamente, pouco a pouco,
Do bojo tiro a pena, rasa em tinta ...
E a minha mão, que treme toda, pinta
Versos próprios de um louco.

E o aberto olhar vidrado da funesta
Ave que representa meu tinteiro,
Vai-me seguindo a mão, que corre lesta,
Toda a tremer pelo papel tinteiro.

Dizem-me todos que atirar eu devo
Trevas em fora este agourento corvo
Pois dele sangra o desespero torvo
Destes versos que escrevo.

Padre Antônio Vieira ensina como se faz um texto dissertativo

O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Exíit. quí semínat, semínae sêmen (1). Semeou uma só semente, e não muitas. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia ser a viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento, que se há de colher senão vento? O Batista convertia muitos em Judéia, mas quantas matérias tomava? Uma só matéria: Parate viam Domini (2) a preparação para o remo de Cristo. Jonas converteu os ninivitas, mas quantos assuntos tomou? Um só assunto: Adhuc quadraginta dies, ei Ninive subvertetur (3): a subversão da cidade. De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto, e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum. O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.
Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos?
Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim, há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria. Deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria, e continuados nela. Estes ramos não hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios, há de ter flores, que são as sentenças, e por remate de tudo há de ter frutos; que é o fruto o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas; há de haver folhas, há de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são vérças. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos não pode ser; porque não há frutos sem árvores. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar árvore da vida, há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos, mas tudo isto nascido e formado de um só tronco, e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen.

Embora se trate de apenas um fragmento do Sermão da Sexagésima, observa-se uma perfeita unidade entre os três parágrafos, caracterizando-os como um texto dissertativo constituído das três partes que estruturam essa modalidade de redação: introdução, desenvolvimento e conclusão. Cada parágrafo, por sua vez, apresenta-se como um parágrafo padrão (constituído das mesmas partes), configurando-se, pois, como uma unidade de sentido.

__________________________________________
1. Saiu quem semeia a semear a semente.
2. Preparar o caminho do Senhor.
3. Daqui a quarenta dias Ninive será destruída.

domingo, 6 de setembro de 2009

Características da Literatura Modernista

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio. Picasso não pintará mais o real e sim a sua interpretação do real. Compositores como Schönberg e Stravinski levarão a música a novos limites, questionando a tonalidade usual.
A liberdade só poderá ser cerceada por regimes autoritários que proibirem a circulação dos objetos artísticos. Em resumo, todas as normas foram abolidas. Poética, de Manuel Bandeira, é um manifesto dessa nova postura, com seu célebre verso final:

Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.


INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO

Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

Mário Quintana afirma, em um de seus curtos poemas em prosa, que "os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios dos jornais", porque certamente nestes classificados pululam os dramas mais banais e os interesses mais comuns da humanidade.


LINGUAGEM COLOQUIAL

Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade. Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1924:

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.


INOVAÇÕES TÉCNICAS

O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram:

.verso livre
O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Vejamos um trecho de Consideração do poema, de Carlos Drummond de Andrade:

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, todas me convêm.


.destruição dos nexos
Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio Pignatari:

beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco cola cloaca.

No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico: frases curtas e sincopadas, cujo modelo são as narrativas do norte-americano Hemingway.

.paronomásia
Figura muito usada depois de 1922, consiste na junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente. Murilo Mendes escreve: "As têmporas da maçã, as têmporas da hortelã, as têmporas da romã, as têmporas do tempo, o tempo temporã." Da mesma maneira, Carlos Drummond é um especialista em paronomásias:

"Melancolias, mercadorias espreitam-me."

.enumeração caótica
Consiste no acúmulo de palavras que designam objetos, seres, sensações, vinculados a uma idéia ou várias idéias básicas, sem ligação evidente entre si. A técnica está presente em Ferreira Gullar e seu Poema sujo:

Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade sob as sombras da guerra: a gestapo a wehrmacht a raf a feb a Blitzkrieg catalinas torpedeando a quinta-coluna os fascistas os nazistas os comunistas o repórter esso a discussão na quitanda o querosene o sabão de andiroba o mercado negro o racionamento o blackout as montanhas de metais velhos o italiano assassinado na Praça João Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando nas noites de tempestade por cima de nossa casa. Stalingrado resiste. Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à Estrada-de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel-de-abelha(...)

.fluxo da consciência
Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e sacramentada, como já vimos, por Joyce. Trata-se do monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência. É a mente do personagem revelada por ele próprio, sem nenhum tipo de barreira racional. O monólogo de Molly Bloom, no Ulisses, tornou-se clássico:

(...) que alívio onde quer que seja teu vento despeja quem sabe se aquela costeleta de porco que comi com minha xícara de chá depois estava boa com o calor ou não cheirei nada eu certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria é um grande maroto eu espero que essa lamparina não esteja fumegando pra me encher o nariz de fuligem (...)

.colagem e montagem cinematográfica
Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua montagem em blocos e a colagem - a exemplo do que tinham feito os pintores cubistas - de notícias de jornais, cartazes, telegramas, etc., no corpo dos romances, truque utilizado por John dos Passos na trilogia U.S.A. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães de areia.

.ampliação das vozes narrativas
No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira pessoa. A estética modernista, sobremodo depois das experiências do americano William Faulkner ( Enquanto agonizo, O som e a fúria,1929), passa a admitir uma multiplicidade de perspectivas, vários narradores, mescla de primeira, terceira e até de segunda pessoa, possibilitando um complexo conjunto de ângulos sobre os acontecimentos e os protagonistas dos relatos.

.liberdade no uso dos sinais de pontuação
Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor subordinando o uso de pontos, vírgulas, travessões, etc., a uma disposição estilística ou psicológica e não à regras gramaticais. Sua eliminação freqüente visa a dar ao texto um aspecto caótico ou febril.

PARÓDIA

Os modernistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica das obras do passado. No universo literário, a releitura de textos famosos das escolas anteriores torna-se uma forma de rejeição ou de admiração. Com freqüência, os modernos reescrevem alguns dos textos consagrados sob uma perspectiva de humor: a paródia.
Um dos livros de crítica literária de Mário de Andrade chama-se A escrava que não é Isaura, numa evidente alusão ao romance de Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram à chance de parodiar a antológica Canção do exílio, de Gonçalves Dias, conforme podemos verificar num conjunto de excertos, como o de Oswald de Andrade, Canto do regresso à pátria:

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra (...)
Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo

Em Canção, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico:

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Carlos Drummond, mais filosófico, reflete sobre a distância da felicidade em Nova canção do exílio:

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto. (...)
Onde tudo é belo

e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Também Murilo Mendes mostra-se irreverente com o célebre poema romântico:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. (...)
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola

de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

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