sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pré-Modernismo - Poetas


AUGUSTO DOS ANJOS (1884-1914)

Produziu textos de grande originalidade. Considerado por alguns como poeta simbolista, Augusto do Anjos é na verdade representante de uma experiência única na literatura universal: a união do Simbolismo com o cientificismo naturalista. Por isso, dado o caráter sincrético de sua poesia, convém situá-lo entre os pré-modernistas.
Os poemas de sua única obra, Eu (1912), chocam pela agressividade do vocabulário e pela visão dramaticamente angustiante da matéria, da vida e do cosmos. Compõem sua linguagem termos até então considerados antipoéticos, como escarro, verme, germe, etc. Os temas são igualmente inquietantes: a prostituta, as substâncias químicas que compõem o corpo humano, a decrepitude dos cadáveres, os vermes, o sêmen, etc.
Além dessa “camada científica”, há na poesia do autor a dor de ser dos simbolistas, marcada por anseios e angústias existenciais, provável influência do filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
Para o poeta, não há Deus nem esperança; há apenas a supremacia da ciência. Quanto ao homem, as substâncias e energias do universo que o geraram, compondo a matéria de que ele é feito – carne, sangue, instinto, células - , tudo fatalmente se arrasta para a podridão e para a decomposição, para o mal e para o nada.
Em síntese, a poesia de Augusto dos Anjos é caracterizada pela união de duas concepções de mundo distintas: de um lado, a objetividade do átomo; de outro, a dor cósmica, que busca descobrir o sentido da existência humana.


Versos íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te, à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável
Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Eu e outros poemas. 30ed. Rio de Janeiro; Livraria São José, 1965. p.146)

Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Eu e outros poemas, cit.,p.60)

Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula de esbroa
Ao contacto de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
(Eu e outros poemas, cit.,p. 84)

O morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho,
Meu deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
-Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
e olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho.
Circularmente sobre minha rede!


Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
(Eu e outros poemas, cit.,p.59)

SIMBOLISMO - Poetas

CRUZ E SOUZA (1861-1898) – Sua produção inicial fala da dor e do sofrimento do homem negro, mas evolui para o sofrimento e a angústia do ser humano. Em suas poesias, estão sempre presentes a sublimação, a anulação da matéria para a liberação da espiritualidade, só conseguida com a morte. Outra característica sua é a obsessão pela cor branca e por tudo aquilo que sugere brancura.

Música da Morte
A Música da Morte, a nebulosa,
estranha, imensa música sombria,
passa a tremer pela minh’alma e fria
gela, fica a tremer, maravilhosa...


Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
letes sinistro e torvo da agonia,
recresce e lancinante sinfonia,
sobe, numa volúpia dolorosa...

Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
tremenda, absurda, imponderada e larga,
de pavores e trevas alucina...

E alucinando e em trevas delirando,

Como um ópio letal, vertiginando,
Os meus nervos, letárgica, fascina...

Flores da Lua
Brancuras imortais da Lua Nova,
frios de nostalgia e sonolência...
Sonhos brancos da Lua e viva essência
dos fantasmas noctívagos da Cova.


Da noite a tarda e taciturna trova
soluça, numa trêmula dormência ...
Na mais branda, mais leve florescência
tudo em Visões e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
dormem o sono das profundas seivas,
monótono, infinito, estranho e lasso...

E das origens da luxúria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
flores amargas do palor da Morte.


Cavador do Infinito
Com a lâmpada do sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.


Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava
Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho
E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!


ALPHONSUS DE GUIMARAENS (1870-1921) – Misticismo, Amor e Morte, eis o triângulo que caracteriza sua obra. Além desses, destacam-se ainda a linguagem de sugestão , o uso de aliterações e uma tendência à autocompaixão.

Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.


No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

A cabeça de corvo
Na mesa, quando em meio à noite lenta
Escrevo antes que o sono me adormeça,
Tenho o negro tinteiro que a cabeça
De um corvo representa.

A contemplá-lo mudamente fico
E numa dor atroz mais me concentro:
E entreabrindo-lhe o grande e fino bico,
Meto-lhe a pena pela goela a dentro.

E solitariamente, pouco a pouco,
Do bojo tiro a pena, rasa em tinta ...
E a minha mão, que treme toda, pinta
Versos próprios de um louco.

E o aberto olhar vidrado da funesta
Ave que representa meu tinteiro,
Vai-me seguindo a mão, que corre lesta,
Toda a tremer pelo papel tinteiro.

Dizem-me todos que atirar eu devo
Trevas em fora este agourento corvo
Pois dele sangra o desespero torvo
Destes versos que escrevo.

Padre Antônio Vieira ensina como se faz um texto dissertativo

O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão uma só: Exíit. quí semínat, semínae sêmen (1). Semeou uma só semente, e não muitas. Se o lavrador semeara primeiro trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse um bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia ser a viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento, que se há de colher senão vento? O Batista convertia muitos em Judéia, mas quantas matérias tomava? Uma só matéria: Parate viam Domini (2) a preparação para o remo de Cristo. Jonas converteu os ninivitas, mas quantos assuntos tomou? Um só assunto: Adhuc quadraginta dies, ei Ninive subvertetur (3): a subversão da cidade. De maneira que Jonas em quarenta dias pregou um só assunto, e nós queremos pregar quarenta assuntos em uma hora? Por isso não pregamos nenhum. O sermão há de ser de uma só cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só matéria.
Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto, é falar de mais alto. Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses hão de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela. Quereis ver tudo isto com os olhos?
Ora vede. Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim, há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria. Deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria, e continuados nela. Estes ramos não hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. Há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios, há de ter flores, que são as sentenças, e por remate de tudo há de ter frutos; que é o fruto o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas; há de haver folhas, há de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são vérças. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos não pode ser; porque não há frutos sem árvores. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar árvore da vida, há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos, mas tudo isto nascido e formado de um só tronco, e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen.

Embora se trate de apenas um fragmento do Sermão da Sexagésima, observa-se uma perfeita unidade entre os três parágrafos, caracterizando-os como um texto dissertativo constituído das três partes que estruturam essa modalidade de redação: introdução, desenvolvimento e conclusão. Cada parágrafo, por sua vez, apresenta-se como um parágrafo padrão (constituído das mesmas partes), configurando-se, pois, como uma unidade de sentido.

__________________________________________
1. Saiu quem semeia a semear a semente.
2. Preparar o caminho do Senhor.
3. Daqui a quarenta dias Ninive será destruída.

domingo, 6 de setembro de 2009

Características da Literatura Modernista

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio. Picasso não pintará mais o real e sim a sua interpretação do real. Compositores como Schönberg e Stravinski levarão a música a novos limites, questionando a tonalidade usual.
A liberdade só poderá ser cerceada por regimes autoritários que proibirem a circulação dos objetos artísticos. Em resumo, todas as normas foram abolidas. Poética, de Manuel Bandeira, é um manifesto dessa nova postura, com seu célebre verso final:

Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.


INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO

Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

Mário Quintana afirma, em um de seus curtos poemas em prosa, que "os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios dos jornais", porque certamente nestes classificados pululam os dramas mais banais e os interesses mais comuns da humanidade.


LINGUAGEM COLOQUIAL

Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade. Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1924:

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.


INOVAÇÕES TÉCNICAS

O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram:

.verso livre
O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Vejamos um trecho de Consideração do poema, de Carlos Drummond de Andrade:

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, todas me convêm.


.destruição dos nexos
Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio Pignatari:

beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco cola cloaca.

No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico: frases curtas e sincopadas, cujo modelo são as narrativas do norte-americano Hemingway.

.paronomásia
Figura muito usada depois de 1922, consiste na junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente. Murilo Mendes escreve: "As têmporas da maçã, as têmporas da hortelã, as têmporas da romã, as têmporas do tempo, o tempo temporã." Da mesma maneira, Carlos Drummond é um especialista em paronomásias:

"Melancolias, mercadorias espreitam-me."

.enumeração caótica
Consiste no acúmulo de palavras que designam objetos, seres, sensações, vinculados a uma idéia ou várias idéias básicas, sem ligação evidente entre si. A técnica está presente em Ferreira Gullar e seu Poema sujo:

Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade sob as sombras da guerra: a gestapo a wehrmacht a raf a feb a Blitzkrieg catalinas torpedeando a quinta-coluna os fascistas os nazistas os comunistas o repórter esso a discussão na quitanda o querosene o sabão de andiroba o mercado negro o racionamento o blackout as montanhas de metais velhos o italiano assassinado na Praça João Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando nas noites de tempestade por cima de nossa casa. Stalingrado resiste. Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à Estrada-de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel-de-abelha(...)

.fluxo da consciência
Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e sacramentada, como já vimos, por Joyce. Trata-se do monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência. É a mente do personagem revelada por ele próprio, sem nenhum tipo de barreira racional. O monólogo de Molly Bloom, no Ulisses, tornou-se clássico:

(...) que alívio onde quer que seja teu vento despeja quem sabe se aquela costeleta de porco que comi com minha xícara de chá depois estava boa com o calor ou não cheirei nada eu certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria é um grande maroto eu espero que essa lamparina não esteja fumegando pra me encher o nariz de fuligem (...)

.colagem e montagem cinematográfica
Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua montagem em blocos e a colagem - a exemplo do que tinham feito os pintores cubistas - de notícias de jornais, cartazes, telegramas, etc., no corpo dos romances, truque utilizado por John dos Passos na trilogia U.S.A. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães de areia.

.ampliação das vozes narrativas
No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira pessoa. A estética modernista, sobremodo depois das experiências do americano William Faulkner ( Enquanto agonizo, O som e a fúria,1929), passa a admitir uma multiplicidade de perspectivas, vários narradores, mescla de primeira, terceira e até de segunda pessoa, possibilitando um complexo conjunto de ângulos sobre os acontecimentos e os protagonistas dos relatos.

.liberdade no uso dos sinais de pontuação
Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor subordinando o uso de pontos, vírgulas, travessões, etc., a uma disposição estilística ou psicológica e não à regras gramaticais. Sua eliminação freqüente visa a dar ao texto um aspecto caótico ou febril.

PARÓDIA

Os modernistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica das obras do passado. No universo literário, a releitura de textos famosos das escolas anteriores torna-se uma forma de rejeição ou de admiração. Com freqüência, os modernos reescrevem alguns dos textos consagrados sob uma perspectiva de humor: a paródia.
Um dos livros de crítica literária de Mário de Andrade chama-se A escrava que não é Isaura, numa evidente alusão ao romance de Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram à chance de parodiar a antológica Canção do exílio, de Gonçalves Dias, conforme podemos verificar num conjunto de excertos, como o de Oswald de Andrade, Canto do regresso à pátria:

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra (...)
Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo

Em Canção, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico:

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Carlos Drummond, mais filosófico, reflete sobre a distância da felicidade em Nova canção do exílio:

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto. (...)
Onde tudo é belo

e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Também Murilo Mendes mostra-se irreverente com o célebre poema romântico:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. (...)
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola

de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

http://educaterra.terra.com.br/literatura/

Modernismo

Momento sócio-cultural

. As máquinas e o ritmo acelerado da civilização industrial se incorporavam à paisagem brasileira.
. Problemas sociais antigos continuam sem solução, produzindo tensões e conflitos graves. Os meios intelectuais sentem que é preciso reformar o Brasil, mergulhado numa contradição grave: ao mesmo tempo em que se modernizava, mantinha uma organização social arcaica.


Características literárias

. A 1ª fase é a de ruptura com o passado. Humor, uso do coloquial, primitivismo, vanguardas, tudo é válido para criar uma literatura em sintonia com os novos tempos.

. Na 2ª fase se estabelecem o romance regionalista, que retrata uma certa região do país, e a prosa intimista, que estuda o homem urbano.

. A 3ª fase nega algumas das propostas da 1ª e retoma o uso cuidadoso e consciente da palavra. O número de correntes literárias e autores cresce, o que torna difícil classificar essa fase.


Alguns autores e obras

. Mário de Andrade: deixou uma obra vasta e muito influente, onde os destaques são Paulicéia Desvairada(1922), Macunaíma(1928), Contos Novos(1946), Lira Paulistana (1946).

. Oswald de Andrade: incorporou elementos das vanguardas européias em seus poemas. Escreveu Memórias Sentimentais de João Miramar(1924), Pau-Brasil(1925), Serafim Ponte Grande(1933), O Rei da Vela(1937).

. Manuel Bandeira: deixou obra lírica, precisa e simples, mas muito bem construída. Destacam-se Libertinagem(1930), Estrela da Manhã(1936), Itinerário de Pasárgada (1954), Estrela da Vida Inteira(1966).

. Graciliano Ramos: expoente do romance regional e de análise psicológica. Tem como principais obras São Bernardo(1934), Angústia(1936), Vidas Secas(1938), Memórias do Cárcere(1953).

. Carlos Drummond de Andrade: considerado um dos maiores poetas da literatura brasileira, deixou obra que expressa a angústia do homem contemporâneo. Destaques: Alguma Poesia(1930), Sentimento do Mundo(1940), A Rosa do Povo(1945), Claro Enigma(1951), Boitempo(1968).

.João Cabral de Melo Neto: importante poeta brasileiro. Deixou obra sem exageros sentimentais, precisa e seca. Destaques: Pedra do Sono(1942), O Cão sem Plumas(1950), Morte e Vida Severina(1956), Museu de Tudo(1975).

.Clarice Lispector: autora de obra voltada ao intimismo e ao mergulho na psique dos personagens. Principais obras: A Cidade Sitiada(1949), A Paixão segundo G.H(1964), Água Viva(1973), A Hora da Estrela(1977).

.Guimarães Rosa: usando o sertão mineiro como cenário, criou obra que investiga temas universais. Destaques: Sagarana(1946), Corpo de Baile(1956), Grande Sertão: Veredas(1956), Tutaméia (Terceiras Estórias) (1967).

Onde iniciou a Literatura?

A Literatura Portuguesa teve seu início durante a Idade Média, porém, é primordial salientar a importância das literaturas grega e latina, pois foi através delas que muitos autores portugueses se engajaram no caminho literário e se fixaram na história das artes.
Em Os Lusíadas, de Luis de Camões, observamos a grandiosidade dos feitos e a exaltação do herói, que desbrava aventuras mágicas e percorre caminhos de vida e de morte. Tal como o astucioso Ulisses e o bravo Aquiles enaltecidos por Homero, ou do nobre Enéas de Virgílio, Vasco da Gama ora enfrentará a fúria de deuses e outros seres fantásticos, ora por outros será protegido e mantido alerta sobre os perigos que estão por vir. Todos são, por fim, figuras imaginárias que servem de modelo ao homem, seja ele antigo ou medieval.

Antigüidade Clássica
Teve seu início no século IX a.C., com o surgimento, na Grécia, das primeiras manifestações da arte literária, através das obras Ilíada e Odisséia, de Homero, e estendeu-se até o final do século V d.C.
No princípio, a literatura narrava os feitos de personagens heróicos – suas derrotas e vitórias. Este gênero ficou conhecido como épico. Posteriormente, deu-se lugar aos deuses para protagonizarem histórias de amor e ciúme; ganharam aspecto humano e passaram a sentir e agir como mortais, e configurou-se o gênero lírico. E, por fim, surgiu o teatro com o objetivo fundamental de emocionar o público através dos aspectos cômicos e trágicos – o gênero dramático.

.A Ilíada e a Odisséia
Estas duas obras representam os dois maiores modelos de epopéia e têm como principais características a narrativa em grandes dimensões, que retrata o tema de modo heróico, na maioria das vezes, sobrecarregando-o de elementos fantásticos e sobrenaturais.
A presença do mito tem papel fundamental, pois, este irá mostrar outra forma de ver o mundo e estreitar a distância entre o humano e o divino.
Suas narrativas focalizam episódios ocorridos durante a guerra de gregos e troianos e têm, como personagens principais, os heróis lendários Aquiles e Ulisses, cruéis e sanguinários, porém justos e generosos.
Os acontecimentos da Ilíada e da Odisséia se passam durante e depois da Guerra de Tróia, guerra esta ocorrida entre a Grécia e a cidade de Tróia, aproximadamente no século XII a.C. muitos acreditam que os poemas foram escritos entre 800 e 700 a.C.

.Principais Autores
Encontramos, na Antigüidade Clássica, diversos autores que fizeram história na arte literária, tais como:
- Homero – viveu entre os séculos IX e VIII a.C., na cidade de Esmirna e recolheu a poesia que, até então, era oral. Escreveu as duas maiores poesias épicas: Ilíada e Odisséia;
- Hesíodo – descreveu a origem do mundo e dos deuses, reunindo-os em sua obra Teogonia. Preocupava-se com as emoções do homem e desprezava a guerra. Foi ele o responsável pelo surgimento da poesia lírica;
- Pindaro – poeta dos Jogos Olímpicos, foi o símbolo do amor dos gregos pelo esporte e pela beleza do corpo masculino;
- Esopo – autor quase lendário, viveu em Atenas no século V; escreveu fábulas que ensinavam sobre o bem e o mal, através de figuras de animais que assumiam as virtudes e os defeitos do ser humano;
- Ésquilo – precursor da dramaturgia. Escreveu mais de 80 obras e foi o primeiro grande autor trágico;
- Sófocles – deu continuidade à obra de Ésquilo e escreveu Édipo Rei, considerado o “drama de todos nós” (segundo Sigmund Freud, pai da psicanálise).
- Eurípedes – revolucionou a técnica teatral. Preocupava-se com a reflexão sobre controvérsias intelectuais, políticas e éticas. Escreveu Medeia.

Gêneros Literários IV

Gênero dramático
O gênero dramático, desde a antigüidade clássica, teve grande importância, pois, tanto em suas origens gregas e latinas como medievais, esteve sempre associado à problemática religiosa, transformando-se, não raras vezes, em verdadeiro ritual.
Atualmente, o gênero envolve dois aspectos: de um lado, como fenômeno literário, temos o texto, a linguagem; de outro, as técnicas de representação, o espetáculo. Ater-nos-emos, aqui, unicamente ao estudo do primeiro aspecto.
No drama, as personagens aparecem dotadas de características marcantes, representando realidades humanas concretas. Contudo, a caracterização será indireta, uma vez que se deve sugerir ao público os traços peculiares das personalidades representadas, sendo que o autor não pode imiscuir-se na ação. Assim, o teatro exige um esmerado juízo seletivo, pois cada um dos fatos ocorrentes deve, pela concisão o e pela síntese, ser capaz de despertar emoção. A obra dramática não apresenta descrições nem dissertações, mas busca acentuar a ação. O texto é, então, representativo, onde o diálogo é fundamental, em contraposição ao romance, à novela, ao conto, cujos textos visam a apresentar, e onde o diálogo, se houver, é bastante acessório.
É importante observar ainda que, no teatro, o autor faz uma tentativa de representar mais a língua falada do que a escrita. Daí os recursos próprios para enfatizar a entonação, a voz, a mímica, os gestos etc.
Na Idade Média, o teatro tinha as modalidades de auto (milagre ou mistério) e farsa. No Classicismo, predominaram a tragédia e a comédia, de cuja fusão surge, no Romantismo, o drama.
Hoje, o teatro assumiu uma posição crítica com relação aos problemas político-sociais, o que mostra que ele não é apenas uma forma de diversão, mas sim um poderoso meio de contestação da sociedade. Como prova disso, leia o fragmento da peça O pagador de promessas, que foi inclusive transposta para as telas, ganhando inúmeros prêmios internacionais.

Texto: Zé-do-Burro
Zé — (Olhando a igreja.) É essa. Só pode ser essa. (Rosa pára também, junto aos degraus, cansada, enfastiada e deixando já entrever uma revolta que se avoluma.)
Rosa — E agora? Está fechada.
Zé —É cedo ainda. Vamos esperar que abra.
Rosa — Esperar? Aqui?
Zé — Não tem outro jeito.
Rosa — (Olha-o com raiva e vai sentar-se num dos degraus. Tira o sapato.) Estou com cada bolha d’água no pé que dá medo.
Zé — Eu também. (Contorce-se num ríctus de dor. Despe uma das mangas do paletó.) Acho que os meus ombros estio em carne viva.
Rosa — Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.
Zé — (Convicto) Não era direito. Quando eu fiz a promessa, não falei em almofadinha.
Rosa — Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada.
Zé — Não era direito. Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas.
Rosa — Não usou porque não deixaram.
Zé — Não, esse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: — Ah, você é o Zé-do-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo.
Rosa — Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois dessa? Já não chega? ...
Zé — Sei não ... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia. (Ele sobe um ou dois degraus. Examina a fachada da igreja à procura de uma inscrição.)
Rosa — Que é que você está procurando?
Zé — Qualquer coisa escrita, pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara.
Rosa — E você já viu igreja com letreiro na porta, homem?
Zé —É que pode não ser essa...
Rosa — Claro que é essa. Não lembra o que o vigário disse? Uma igreja pequena, numa praça, perto duma ladeira...
Zé — (Corre os olhos em volta.) Se a gente pudesse perguntar a alguém...
Rosa — Essa hora está todo mundo dormindo. (Olha-o quase com raiva.) Todo o mundo ... menos eu, que tive a infelicidade de me casar com um pagador de promessas. (Levanta-se e procura convencê-lo.) Escute, Zé... já que a igreja está fechada, a gente podia ir procurar um lugar
para dormir. Você já pensou que beleza agora uma cama? ...
Zé — E a cruz?
Rosa — Você deixava a cruz aí e amanha, de dia ...
Zé — Podem roubar ...
Rosa — Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?
Zé — Tem tanta maldade no mundo. Era correr um risco muito grande, depois de ter quase cumprido a promessa. E você já pensou: se me roubassem a cruz, eu ia ter que fazer outra e vir de novo com ela nas costas da roça até aqui. Sete léguas.
Rosa — Pra quê? Você explicava à santa que tinha sido roubado, ela não ia fazer questão.

GOMES, Dias. O pagador de promessas. São Paulo, Tecnoprint, [s. d.1. p. 14-8].
(in Estudo Dirigido de Português, vol. 1, J. Milton Benemann e Luís Agostinho Cadore, 1984, Editora Ática)

Gêneros Literários III

Gênero narrativo
A palavra ficção vem do latim fictionem (fingere, fictum), ato de modelar, criação, formação; ato ou efeito de fingir, inventar, simular; suposição; coisa imaginária, criação da imaginação. Literatura de ficção é aquela que contém uma história inventada ou fingida, fictícia, imaginada, resultado de uma invenção imaginativa, com ou sem intenção de enganar.
A ficção é um dos gêneros literários ou de imaginação criadora (ao lado dos gêneros dramático, lírico, ensaístico). A literatura de imaginação ou de criação é a interpretação da vida por um artista através da palavra. No caso da ficção (romance; conto, novela), e da epopéia, essa interpretação é expressa por uma história, que encorpa a referida interpretação. É, portanto, literatura narrativa.
A essência da ficção é, pois, a narrativa. Ë a sua espinha dorsal, correspondendo ao velho instinto humano de contar e ouvir histórias, uma das mais rudimentares e populares formas de entretenimento. Mas nem todas as histórias são arte. Para que tenha o valor artístico, a ficção exige uma técnica de arranjo e apresentação, que comunicará à narrativa beleza de forma, estrutura e unidade de efeito. A ficção distingue-se da história e da biografia, por estas serem narrativas de fatos reais. A ficção é produto da imaginação criadora, embora, como toda a arte, suas raízes mergulhem na experiência humana. Mas o que a distingue das outras formas de narrativa é que ela é uma transfiguração ou transmutação da realidade. Ela coloca a massa da experiência humana dentro de um molde, seleciona, omite, arruma os dados da experiência de modo a fazer surgir um plano, que se apresenta como uma entidade, com vida própria, com um sentido intrínseco, diferente da realidade. A ficção não pretende fornecer um simples retrato da realidade, mas antes criar uma imagem da realidade, uma reinterpretação, uma revisão. Ë o espetáculo da vida por meio do olhar interpretativo do artista, a interpretação artística da realidade.”’

• Elementos da narrativa
O mundo da ficção desenvolve-se ao redor dos seguintes elementos estruturais:
1.Personagem
É a pessoa (de persona) que atua na narrativa. Pode ser principal ou secundária, típica ou caricatural.
2.Enredo
É a narrativa propriamente dita, que pode ser linear ou retrospectiva, cuja trama mantém o interesse do leitor, que espera por um desfecho. Chama-se também simplesmente de ação.
3. Ambiente
É o meio físico e social onde se desenvolve a ação das personagens. Trata-se do pano de fundo ou do cenário da história, também designado de paisagem.
4.Tempo
É o elemento fortemente ligado ao enredo numa seqüência linear ou retrospectiva, ao passado, presente e futuro, com seus recuos e avanços. Pode ser cronológico ou psicológico. Cronológico, quando avança no sentido do relógio; psicológico, quando é medido pela repercussão emocional, estética e psicológica nas personagens.
5.Ponto de vista
Tecnicamente, podemos dizer que se refere às diferentes maneiras de narrar. Geralmente, se resumem em duas:
a) narrador-onisciente: autor conta a história como observador que sabe tudo. Usa a 3ª pessoa.
b) narrador-personagem: autor conta, encarnando-se numa personagem, principal ou secundária. Usa a 1ª pessoa.
6. Discurso
É o procedimento do narrador ao reproduzir as falas ou o pensamento das personagens. Há três tipos de discurso:
a) direto: neste caso, o narrador, após introduzir as personagens, faz com que elas reproduzam a fala e o pensamento por si mesmas, de modo direto, utilizando o diálogo. Exemplo:
Baiano velho perguntou para o rapaz:
—O jornal não dá nada sobre a sucessão presidencial
b) indireto: neste tipo de discurso, não há diálogo; o narrador não põe as personagens a falar e a pensar diretamente, mas ele faz-se o intérprete delas, transmitindo o que disseram ou pensaram, sem reproduzir o discurso que elas teriam empregado. Exemplo:
Baiano velho perguntou para o rapaz se o jornal não tinha dado nada sobre a sucessão presidencial.
c) indireto livre: consiste na fusão entre narrador e personagem, isto é, a fala da personagem insere-se no discurso do narrador, sem o emprego dos verbos de elocução (como dizer, afirmar, perguntar, responder, pedir e exclamar). Exemplo:
Agora (Fabiano) queria entender-se com Sinhá Vitória a respeito da educação dos pequenos. E eles estavam perguntadores, insuportáveis.
Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber?
Tinha? Não tinha.
7. Linguagem e estilo
É a vestimenta com que o autor reveste seu discurso, nas falas, nas descrições, nas narrações, nos diálogos, nas dissertações ou nos monólogos.

• Espécies narrativas
Nem sempre é possível classificar um determinado texto ou obra dentro de uma determinada modalidade narrativa. Didaticamente, podemos caracterizar o romance, a novela, o conto, a crônica e a epopéia.
1. Romance
É a modalidade narrativa de maior vulto, onde a visão do mundo do autor se manifesta pelo forte conflito das personagens. O romance aborda os mais variados assuntos. Assim, podem ser históricos, psicológicos, experimentais, científicos, policiais etc.
São exemplos de romances: Iracema, de José de Alencar; Quincas Borba, de Machado de Assis; O mulato, de Aluísio Azevedo; Corpo vivo, de Adonías Filho etc.
Há ainda romances que são classificados como verdadeiras epopéias em prosa. Entre eles estão: O sertões, de Euclídes da Cunha e Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
2. Novela
É a modalidade narrativa que se caracteriza pela sucessividade dos episódios, muitas vezes das personagens e dos cenários. O tempo e o espaço conjugam-se dentro dessa estrutura. Assim; a novela condensa os elementos do romance. Os diálogos são mais rápidos, as narrações são diretas e sem circunlóquios, tudo favorecendo a precipitação da história’ para o seu desfecho.
Como exemplo de novelas, podemos citar: Noite, de Érico Veríssimo; A vida real, de Fernando Sabino; Uma vida em segredo, de Autran Dourado; A morte e a morte de Quíncas Berro d’Água, de Jorge Amado etc. A televisão atual explora essa espécie de narrativa com muito sucesso.
3. Conto
É a modalidade narrativa de maior brevidade. Se o romance é a vida, o conto é o caso, a anedota. Com economia de cenários e personagens, a solução do conflito é narrada perto do seu desenlace.
Eis alguns exemplos de contos já clássicos: O alienista, de Machado de Assis; Apólogo brasileiro sem véu de alegoría, de Antônio de Alcântara Machado; O negrinho do pastoreio, de João Simões Lopes Neto; O peru de Natal, de Mário de Andrade.
4. Crônica
É uma espécie de narrativa curta e condensada que capta um flagrante da vida, pitoresco e atual, real ou imaginário, com uma ampla variedade temática.
5. Epopéia
É uma criação literária, geralmente em verso, de fundo narrativo. (Do grego epos = canto, narrativa). Desde os tempos antigos, a epopéia tem a finalidade de exaltar os heróis nacionais e cantar os grandes feitos dos povos.
Modernamente, certos padrões ou estilos de vida foram substituídos por outros bastante diversos. Os gêneros também foram evoluindo. Assim, o gênero narrativo em verso — a epopéia — cedeu lugar ao gênero narrativo em prosa, designado simplesmente de narrativa ou ficção, nas suas diversas modalidades.
(in Estudo Dirigido de Português, vol. 1, J. Milton Benemann e Luís Agostinho Cadore, 1984, Editora Ática)

O conto que segue pertence a um dos maiores contistas brasileiros da atualidade, o curitibano Dalton Trevisan. O escritor notabilizou-se em nossa literatura com o livro de contos O vampiro de Curitiba, seguido por outros como A guerra conjugal e Desastres do amor. A síntese, um dos traços do autor, é também uma das tendências do conto contemporâneo.
O ciclista
Curvado no guidão lá vai ele numa chispa. Na esquina dá com o sinal vermelho e não se perturba – levanta vôo bem na cara do guarda crucificado. No labirinto urbano persegue a morte como trim-trim da campainha: entrega sem derreter sorvete a domicílio.
É sua lâmpada de Aladino a bicicleta e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio acorrentado ao pedal. Indefeso homem, frágil máquina, arremete impávido colosso, desvia de fininho o poste e o caminhão; o ciclista por muito favor derrubou o boné.
Atropela gentilmente e, vespa furiosa que morde, ei-lo defunto ao perder o ferrão. Guerreiros inimigos trituram com chio de pneus o seu diáfano esqueleto. Se não se estrebucha ali mesmo, bate o pó da roupa e – uma perna mais curta – foge por entre nuvens, a bicicleta no ombro.
Opõe o peito magro ao pára-choque do ônibus. Salta a poça d´água no asfalto. Nem só corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão.

Ao fim do dia, José guarda no canto da casa o pássaro de viagem. Enfrenta o sono trim-trim a pé e, na primeira esquina, avança pelo céu na contramão, trim-trim.

Gêneros Literários II


Gênero lírico
O adjetivo lírico deriva de lira, instrumento de força expressiva já empregado pelos gregos. Essa associação entre música e lirismo é feita desde as primeiras épocas da cultura artística ocidental, chegando até nossos dias.
A subjetividade lírica é estruturada com idéias, sentimentos, emoções, recordações, desejos, profundos estados de espírito que, em muitos casos, roçam o indefinível, o inefável e que só podem ser expressos pela musicalidade, pela metáfora e pela poesia. Por essa razão é que o lirismo encontrou, durante a evolução histórica, a sua mais perfeita e generalizada forma de expressão no verso, com seu ritmo e rima próprios.
Se a prosa rejeita a rima, o verso a busca, exatamente como instrumento de expressão das emoções, as quais se afirmam mais pela repetição e pela simbologia do que pela descrição ou pelo recurso à caracterização ambiental.
Conseqüentemente, no poema lírico, não há protagonistas, como na literatura de ficção, não há ambiente físico caracterizado, nem episódio, nem enredo, nem temporalidade definida. As emoções profundas do poeta, seu “eu", sua visão do mundo (e não o mundo) são o que vale.
A linguagem poética é, assim, muito particular. Se quisermos entendê-la, é preciso que nos familiarizemos com ela e isso só será possível mediante uma leitura cuidadosa e freqüente de poemas.
(in Estudo Dirigido de Português, vol. 1, J. Milton Benemann e Luís Agostinho Cadore, 1984, Editora Ática)
Atualmente, esse gênero está muito presente nas letras de músicas, que são poemas cantados, voltando às origens.

Um homem também chora - Gonzaguinha
Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
da própria candura
Guerreiros são pessoas
são fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
por dentro do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
que os tornem perfeitos
É triste ver meu homem
guerreiro menino
com a barra do seu tempo
com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo
por sobre seus ombros
Eu vejo que ele sangra
Eu vejo que ele berra
a dor que tem no peito
pois ama e ama
Um homem se humilha
se castram seus sonhos
Seu sonho é sua vida
e vida é trabalho
E sem o seu trabalho
o homem não tem honra
E sem a sua honra
se morre, se mata
se morre
se mata
não dá pra ser feliz
não dá pra ser feliz

Gêneros Literários I

Muitas teorias e discussões há em torno dos gêneros literários. Os especialistas em teoria literária estão sempre à procura de soluções gerais, nem sempre possíveis ou aceitáveis nos casos particulares.
A palavra gênero, etimologicamente, significa família, raça ou conjunto de seres dotados de características comuns.
Portanto, que viria a ser gênero literário? De maneira muito simplificada, diríamos que gênero literário é um conjunto de obras dotadas de características comuns.
Desde Platão, os três gêneros fundamentais estabelecidos dó: o lírico, o dramático e o narrativo.
Essa tripartição, com todos os matizes de que pode revestir-se, está psicologicamente fundamentada nas três faculdades essenciais da alma humana, fontes de toda mensagem verbal: a sensibilidade, a vontade e a inteligência. Como decorrência surgem, respectivamente, as três funções da linguagem, manifestadas em qualquer obra literária: a expressão ou função expressiva (pela sensibilidade), o apelo ou função apelativa (pela vontade) e a representação ou função informativa (pela inteligência).
Entretanto, essa tripartição, perfeita e lógica na sua essência, pode tornar--se discutível e até errônea na prática, quando aplicada rigidamente a determinadas obras. É que na criação artística confluem as águas dessas três fontes, interpenetrando-se as funções da linguagem. E em certas obras predominará um gênero sobre o outro, mas nunca haverá a expressão pura de um só gênero.
Os modernos críticos, notadamente Todorov, ensinam que os gêneros literários devem ser estudados indutivamente, a partir das características da obra e não a partir de nomes classificatórios.
Assim, fundindo a tripartição tradicional (lírico, épico e dramático), com as diferenciações apontadas pelas modernas teorias literárias, temos quatro gêneros básicos e suas respectivas formas:

Gênero lírico - Poemas de forma fixa: soneto, por exemplo.
Gênero narrativo - Épico (epopéia) ; Ficção: romance, novela, conto, crônica.
Gênero dramático - Tragédia, comédia, tragicomédia, drama, auto.

Gênero ensaístico: ensaio, artigo, análise de texto, oratória, carta.

Sarças de Fogo, de Olavo Bilac

Em Sarças de Fogo, de Olavo Bilac, permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo. São poemas eróticos, centrados na beleza física da mulher e no amor carnal, reduzido a um jogo bem arranjado de palavras, buscando mais o efeito que a genuína sensualidade. É um erotismo declamatório, que é o caso dos poemas "Tentação de Xenócrates", "Satânia". "O Julgamento de Frinéia". "Alvorada do Amor" e outras.
Surge nesta obra um autor sátiro cujos poemas eróticos só se consegue ler achando graça, o que contrasta com o espírito original. Mas, mesmo sabendo que é um erotismo que se reduz ao puro jogo bem arranjado de palavras, nota-se a presença de um veemente temperamento romântico, controlado a custo pela disciplina formal aprendida. Da multiplicidade de vozes do poeta, a mais esfuziante talvez seja a voz erótico-amorosa, fortíssima nos poemas desta obra.
O primeiro poema dessa obra, intitulado "O julgamento de Frinéia", narra a história de uma cortesã grega que foi levada ao Areópago porque estaria corrompendo a moral das famílias helênicas. O acusador, Eutias, exige a condenação de Frinéia, valendo-se de um argumento moral. Passada a acusação, o povo quer Frinéia condenada. Os juízes querem Frinéia condenada. É a vez da defesa. Fala o advogado, Hipérides, cujo timbre de voz se confunde com o sabor da liberdade. Ainda assim, os espectadores permanecem irresignados. Frinéia capitulará. Desse modo, Hipérides apela para o profano. Arranca a roupa de Frinéia, deixando-a nua.
Veja outros dois poemas contidos na obra:

NEL MEZZO DEL CAMIN
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo...Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

O título, "No meio do caminho", alude a um verso de Dante Alighieri: “Nel mezzo Del camin de nostra vida / mi ritrovai numa selva oscura”, que fala dos trinta e cinco anos do poeta italiano, da metade do caminho da vida.

SATÂNIA (fragmento)
Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha, palpitante e viva.
(...)
Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe...cinge-lhe a perna longamente;
Sobe...- e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril” – prossegue.
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca.
(...)
E aos mornos beijos, às carícias ternas
Da luz, cerrando levemente os cílios
Satânia os lábios úmidos encurva,
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia.
(...)

Em termos estruturais, este poema foge um pouco ao padrão parnasiano. Apesar de ser composto apenas por versos decassílabos, o que revela alguma preocupação formal, não há nele uma preocupação com a rima nem com o tamanho das estrofes.
Além disso, em termos temáticos, tem-se aí também algum resquício de Romantismo, principalmente se for observado o modo idealizado como é descrito esta figura feminina. Por outro lado, porém, não há nesta descrição a participação direta de um “eu” romântico, que sofre ao perceber a beleza desta mulher. A descrição que é feita traz grande dose de objetividade, de distanciamento, traços típicos do Parnasianismo, além de conter um alto grau de sensualidade, elemento bastante presente nesta obra de Olavo Bilac, Sarças de Fogo.
Um dado importante a considerar é o modo como é feita a descrição desta figura feminina. O truque utilizado pelo poeta foi o de colocar ante esta mulher a luz do sol, que é o ponto de vista através do qual ela vai ser apresentada. Esta luz, que entra pela janela do quarto e se desenrola pelo chão, pelos tapetes, vai iluminar primeiramente os pés de Satânia e, a partir daí, vai fazer uma sensual viagem pelo corpo desta mulher, descrevendo-o à medida que ele vai sendo iluminado pelo sol. Desta forma, a descrição segue um caminho pouco usual: a mulher é descrita de baixo para cima, dos pés à cabeça.
Outro simbolismo presente na luz do sol é ser ele uma figura distante, não é um “eu” romântico, não é um indivíduo colocado frente a esta mulher, mas tem reações humanas. A luz do sol treme, arfa, fica confusa diante de tanta beleza de Satânia. Pode-se, então, dizer que a luz do sol simboliza qualquer observador que pudesse ser colocado nesta cena, o que reforça o poder de sedução da personagem.
O fragmento final apresentado mostra o outro lado, o que faz Satânia ao sentir-se observada. Ao perceber a insegurança que sua beleza causa na luz do sol (nos que a observam), ela simplesmente sorri, ciente de seu poder de sedução e do controle que tem sobre a situação.
Endereço: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/s/sarcas_de_fogo, em 02/09/2009.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Poesia - Tomás Antônio Gonzaga

Lira V
Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,
fui honrado Pastor da tua Aldeia;
vestia finas lãs e tinha sempre
a minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal e o manso gado,
nem tenho, a que me encoste, um só cajado.

Para ter que te dar, é que eu queria
de mor rebanho ainda ser o dono;
prezava o teu semblante, os teus cabelos
ainda muito mais que um grande Trono.
Agora que te oferte já não vejo,
além de um puro amor, de um são desejo.
(...)

Nós iremos pescar na quente sesta
com canas e com cestos os peixinhos;
nós iremos caçar nas manhãs frias
com a vara enviscada os passarinhos.
Para nos divertir faremos quanto
reputa o varão sábio, honesto e santo.

Nas noites de serão nos sentaremos
c'os filhos, se os tivermos, à fogueira:
entre as falsas histórias, que contares,
lhes contarás a minha, verdadeira:
Pasmados te ouvirão; eu, entretanto,
ainda o rosto banharei de pranto.

Quando passarmos juntos pela rua,
nos mostrarão c'o dedo os mais Pastores,
dizendo uns para os outros: — Olha os nossos
exemplos da desgraça e sãos amores.
Contentes viveremos desta sorte,
até que chegue a um dos dois a morte.
Publicado no livro Marília de Dirceu: Segunda Parte (1799).

Carta 1ª
Em que se descreve a entrada, que fez Fanfarrão em Chile.
(...)
Acorda, Doroteu, acorda, acorda;
Critilo, o teu Critilo é quem te chama:
Levanta o corpo das macias penas;
Ouvirás, Doroteu, sucessos novos,
Estranhos casos, que jamais pintaram
Na idéia do doente, ou de quem dorme
Agudas febres, desvairados sonhos.
Não és tu, Doroteu, aquele mesmo,
Que pedes, que te diga, se é verdade,

O que se conta dos barbados monos,
Que à mesa trazem os fumantes pratos?
Não desejas saber, se há grandes peixes,
Que abraçando os Navios com as longas,
Robustas barbatanas, os suspendem,
Inda que o vento, que d'alheta sopra,
Lhes inche os soltos, desrizados panos?
Não queres, que te informe dos costumes
Dos incultos Gentios? Não perguntas,

Se entre eles há Nações, que os beiços furam?
E outras, que matam com piedade falsa
Os pais, que afroxam ao poder dos anos?
Pois se queres ouvir notícias velhas,
Dispersas por imensos alfarrábios,
Escuta a história de um moderno Chefe,
Que acaba de reger a nossa Chile,
Ilustre imitador a Sancho Pança.
E quem dissera, Amigo, que podia
Gerar segundo Sancho a nossa Espanha!

Não penses, Doroteu, que vou contar-te
Por verdadeira história uma novela
Da classe das patranhas, que nos contam
Verbosos Navegantes, que já deram
Ao globo deste mundo volta inteira:
Uma velha madrasta me persiga,
Uma mulher zelosa me atormente,
E tenha um bando de gatunos filhos,
Que um chavo não me deixem, se este Chefe
Não fez ainda mais, do que eu refiro.
(...)
Tem pesado semblante, a cor é baça,

O corpo de estatura um tanto esbelta,
Feições compridas, e olhadura feia,
Tem grossas sobrancelhas, testa curta,
Nariz direito, e grande; fala pouco
Em rouco baixo som de mau falsete;
Sem ser velho, já tem cabelo ruço;
E cobre este defeito, e fria calva
À força de polvilho, que lhe deita.
Ainda me parece, que o estou vendo
No gordo rocinante escarranchado!
As longas calças pelo embigo atadas,
Amarelo colete, e sobre tudo
Vestida uma vermelha, e justa farda:
(...)
Publicado no livro Cartas Chilenas (1845).In: GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas chilenas. Introd. cronol. notas e estabelecimento de texto Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.50-53. (Retratos do Brasil, 1)

Poesia - Claudio Manuel da Costa

I
Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:
Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros gênios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:
O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.

IV
Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.
Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;
Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.

Clássicos da Poesia Brasileira. Ed. Melhoramentos