domingo, 6 de setembro de 2009

Características da Literatura Modernista

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A importância maior das vanguardas residiu no triunfo de uma concepção inteiramente libertária da criação artística. O pintor, o escritor ou o músico não precisam se guiar por outras leis que não as de sua própria interioridade e de seu próprio arbítrio. Picasso não pintará mais o real e sim a sua interpretação do real. Compositores como Schönberg e Stravinski levarão a música a novos limites, questionando a tonalidade usual.
A liberdade só poderá ser cerceada por regimes autoritários que proibirem a circulação dos objetos artísticos. Em resumo, todas as normas foram abolidas. Poética, de Manuel Bandeira, é um manifesto dessa nova postura, com seu célebre verso final:

Não quero mais saber de lirismo que não é libertação.


INCORPORAÇÃO DO COTIDIANO

Uma das maiores conquistas do modernismo, a valorização da vida cotidiana traz para a arte uma abertura temática sem precedentes, pois, até então, apenas assuntos "sublimes" tinham direito indiscutível ao mundo literário. Agora, o prosaico, o diário, o grosseiro, o vulgar, o resíduo e o lixo tornam-se os motivos centrais da nova estética. À grandiosidade da paisagem, Manuel Bandeira sobrepõe a humildade do beco:

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

Mário Quintana afirma, em um de seus curtos poemas em prosa, que "os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas e sim os pequenos anúncios dos jornais", porque certamente nestes classificados pululam os dramas mais banais e os interesses mais comuns da humanidade.


LINGUAGEM COLOQUIAL

Este anticonvencionalismo temático, esta dessacralização dos conteúdos encontra correspondência na linguagem. Além das inovações técnicas, a linguagem torna-se coloquial, espontânea, mesclando expressões da língua culta com termos populares, o estilo elevado com o estilo vulgar. Há uma forte aproximação com a fala, isto é, com a oralidade. Assim, liberto da escrita nobre, o artista volta-se para uma forma prosaica de dizer, feita de palavras simples e que, inclusive, admite erros gramaticais, conforme Oswald de Andrade preconiza no Manifesto da Poesia Pau Brasil, de 1924:

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.


INOVAÇÕES TÉCNICAS

O rompimento com os padrões culturais do século XIX implicaria no aparecimento de novas técnicas, tanto no domínio da poesia, quanto no da ficção. As principais conquistas foram:

.verso livre
O verso já não está sujeito ao rigor métrico e às formas fixas de versificação, como o soneto, por exemplo. Também a rima se torna desnecessária. Vejamos um trecho de Consideração do poema, de Carlos Drummond de Andrade:

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
Ou qualquer outra, todas me convêm.


.destruição dos nexos
Os chamados nexos sintáticos, preposições, conjunções, etc., são eliminados da poesia moderna, que se torna mais solta, mais descontínua e fragmentária e, fundamentalmente, mais sintética. Veja-se um exemplo radical no poema Coca cola, do concretista Décio Pignatari:

beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco cola cloaca.

No plano da prosa, essas elipses geram o estilo telegráfico: frases curtas e sincopadas, cujo modelo são as narrativas do norte-americano Hemingway.

.paronomásia
Figura muito usada depois de 1922, consiste na junção de palavras de sonoridade muito parecida, mas de significado diferente. Murilo Mendes escreve: "As têmporas da maçã, as têmporas da hortelã, as têmporas da romã, as têmporas do tempo, o tempo temporã." Da mesma maneira, Carlos Drummond é um especialista em paronomásias:

"Melancolias, mercadorias espreitam-me."

.enumeração caótica
Consiste no acúmulo de palavras que designam objetos, seres, sensações, vinculados a uma idéia ou várias idéias básicas, sem ligação evidente entre si. A técnica está presente em Ferreira Gullar e seu Poema sujo:

Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade sob as sombras da guerra: a gestapo a wehrmacht a raf a feb a Blitzkrieg catalinas torpedeando a quinta-coluna os fascistas os nazistas os comunistas o repórter esso a discussão na quitanda o querosene o sabão de andiroba o mercado negro o racionamento o blackout as montanhas de metais velhos o italiano assassinado na Praça João Lisboa o cheiro de pólvora os canhões alemães troando nas noites de tempestade por cima de nossa casa. Stalingrado resiste. Por meu pai que contrabandeava cigarros, por meu primo que passava rifa, pelo tio que roubava estanho à Estrada-de Ferro, por seu Neco que fazia charutos ordinários, pelo sargento Gonzaga que tomava tiquira com mel-de-abelha(...)

.fluxo da consciência
Técnica narrativa estabelecida por Edouard Dujardin e sacramentada, como já vimos, por Joyce. Trata-se do monólogo interior levado para o texto de ficção sem qualquer obediência à normalidade gramatical, à lógica ou mesmo à coerência. É a mente do personagem revelada por ele próprio, sem nenhum tipo de barreira racional. O monólogo de Molly Bloom, no Ulisses, tornou-se clássico:

(...) que alívio onde quer que seja teu vento despeja quem sabe se aquela costeleta de porco que comi com minha xícara de chá depois estava boa com o calor ou não cheirei nada eu certa que aquele sujeito afrescalhado na charuteria é um grande maroto eu espero que essa lamparina não esteja fumegando pra me encher o nariz de fuligem (...)

.colagem e montagem cinematográfica
Ainda no campo da narrativa, valoriza-se a fragmentação do texto, sua montagem em blocos e a colagem - a exemplo do que tinham feito os pintores cubistas - de notícias de jornais, cartazes, telegramas, etc., no corpo dos romances, truque utilizado por John dos Passos na trilogia U.S.A. No Brasil, eventualmente, Jorge Amado vale-se da colagem em seus primeiros romances, como em Jubiabá e Capitães de areia.

.ampliação das vozes narrativas
No século XIX, os romances eram narrados em primeira ou terceira pessoa. A estética modernista, sobremodo depois das experiências do americano William Faulkner ( Enquanto agonizo, O som e a fúria,1929), passa a admitir uma multiplicidade de perspectivas, vários narradores, mescla de primeira, terceira e até de segunda pessoa, possibilitando um complexo conjunto de ângulos sobre os acontecimentos e os protagonistas dos relatos.

.liberdade no uso dos sinais de pontuação
Os sinais tornaram-se facultativos, com o escritor subordinando o uso de pontos, vírgulas, travessões, etc., a uma disposição estilística ou psicológica e não à regras gramaticais. Sua eliminação freqüente visa a dar ao texto um aspecto caótico ou febril.

PARÓDIA

Os modernistas realizam, em todas as artes, uma aproximação crítica das obras do passado. No universo literário, a releitura de textos famosos das escolas anteriores torna-se uma forma de rejeição ou de admiração. Com freqüência, os modernos reescrevem alguns dos textos consagrados sob uma perspectiva de humor: a paródia.
Um dos livros de crítica literária de Mário de Andrade chama-se A escrava que não é Isaura, numa evidente alusão ao romance de Bernardo Guimarães. Poucos poetas resistiram à chance de parodiar a antológica Canção do exílio, de Gonçalves Dias, conforme podemos verificar num conjunto de excertos, como o de Oswald de Andrade, Canto do regresso à pátria:

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos aqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra (...)
Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para são Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo

Em Canção, Mário Quintana parece fazer um protesto ecológico:

Minha terra não tem palmeiras...
E em vez de um mero sabiá,
Cantam aves invisíveis
Nas palmeiras que não há.

Carlos Drummond, mais filosófico, reflete sobre a distância da felicidade em Nova canção do exílio:

Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto. (...)
Onde tudo é belo

e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Também Murilo Mendes mostra-se irreverente com o célebre poema romântico:

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza. (...)
Eu morro sufocado em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas são mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola

de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

http://educaterra.terra.com.br/literatura/

Um comentário: